A misteriosa flor de Sandro Aguilar à conquista da Berlinale

<em>Mariphasa </em>é cinema de ensaio com um universo dentro e fora do real. Passa amanhã no Forum, a mais experimental das secções do festival alemão.
Publicado a
Atualizado a

O cinema como campo de aventuras. É este o rasto que o novo filme de Sandro Aguilar, amanhã no Forum, provoca no espetador. Mariphasa é o seu melhor trabalho, mas mais uma vez o cineasta de Lisboa não faz concessões às regras clássicas narrativas. Sabemos apenas que temos dois amantes. Do outro lado da porta há um vizinho e ruídos: um cão a ladrar, rituais de caça e, a dada altura, Bob Seeger a avisar que teremos sempre a noite. Um dos amantes, o homem, marcado por um acidente que roubou a vida da filha. Talvez não importe sabermos mais, basta estarmos disponíveis para entrar neste apartamento e na fábrica onde o amante trabalha.

Sandro Aguilar leva-nos para uma Lisboa que não conhecemos, claustrofóbica e escura, algures entre o pesadelo e o sonho. É no rosto dos atores, inacreditavelmente bem captados pela luz precisa de Rui Xavier, que apetece permanecer. Somos especialmente sugados para ficar à beira da mágoa de Isabel Abreu ou no limite perante a carga ameaçadora do caçador de Albano Jerónimo.

Mariphasa está assim pronto a restaurar uma bela fé, aquela que acredita solenemente nos mistérios de um plano de cinema. E Mariphasa tem muito cinema e nem um único plano sem o tal perigo. A imagem e o som fazem uma espécie de dueto de ternura que o laboratório de Aguilar cada vez se especializa mais. A forma das imagens é trabalhada com um rigor e uma exatidão que assustam, perfeito para exalar a intensidade que se pretende. E pretende-se também chegar ao âmago de uma geografia de cinema capaz de parar o mundo. É o tal espaço onde apenas cabe o cinema.

Supostamente, esta é mesmo a estreia mundial do filme depois de uma passagem no último Curtas de Vila do Conde ainda numa versão preliminar. O certo é que a longa-metragem é o formato certo para Aguilar - A Zona, a sua estreia, foi apenas um ligeiro acidente...

Para além dos portugueses, a competição da Berlinale tem tido muitos altos e baixos. Nos altos, o destaque terá de ir para Las Herederas, do paraguaio Marcelo Martinessi, uma história de duas lésbicas a entrar na terceira idade. É um filme todo ele sensorial, sexy e sensual. Ao espetador só lhe é pedido para descobrir os diversos níveis desses estados.

Bem interessante também, como já se esperava, é o novo filme do alemão Christian Petzold, Transit, alegoria sobre uma Europa em estado de sítio numa realidade paralela. Fala-se de refugiados e de campos de concentração. Um filme escrito com uma pertinência literária que evoca o trabalho de Peter Handke em As Asas do Desejo, de Wim Wenders.

Quantos aos pontos baixos da seleção oficial, da América chegou um western existencialista disfarçado de comédia "hipster". Chama-se Damsel e é assinado pelos irmãos Zellner. Há muitos anos que não se via um filme tão mau por Berlim em plena competição. Desilusão também para Eva, a proposta de Benoit Jacquot, desta vez a trabalhar para Luc Besson e a adaptar James Hadley Chase. Um equívoco completo apesar de Isabelle Huppert como prostituta fina ser sempre um espetáculo à parte...

Imagens de Berlim - Crónica

Imaginemo-nos numa red carpet na pele de um ator como Robert Pattinson, o menino bonito dos Twilight e ator de Cronenberg ultimamente. Anteontem em Berlim, na estreia europeia do penoso Damsel, dos irmãos Zellner, imaginei a sua profunda solidão na caminhada no tapete vermelho do Palast da Postdamer Platz. O ídolo inglês, que agora faz cinema indie para ser respeitado, estava sozinho em todo este suplício de protocolo. "Rob para aqui", "Rob aqui à esquerda". Robert Pattinson era um pau-mandado dos fotógrafos que falam alto, dos publicistas e da equipa de protocolo da Berlinale.

Mia Wasikowska, a outra estrela do filme, tem outros timings e outras zonas no tapete. Curiosamente, só se cruzam no fim, antes de entrarem na sala.

Esse longo calvário é visto em direto pelo público que o espera na sala de cinema. A realização mostra tudo e até faz zoom sobre o seu sorriso amarelo quando dá autógrafos aos fãs imberbes. Mas Pattinson é profissional na função: tira até ele próprio as selfies com os telemóveis dos fãs.

Ao contrário de Cannes, a lógica das galas de Berlim pensa nos fãs. Na passadeira vermelha está mesmo escrito "zona de fãs". A Berlinale não tem medo de preferir os fãs aos cinéfilos. Enquanto isso, resta-me ter pena de Pattinson. Aquela solidão imposta não é fácil, sobretudo quando é na ocasião do momento mais lamentável da sua carreira (Damsel é demasiado mau...). Em Cannes, em maio, sem fãs na passadeira vermelha, poderá ter a ressurreição se o novo de Claire Denis for selecionado.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt