A minha equivalência moral é melhor do que a tua ‒ ou não
Portugal, desde que há Chega, tornou-se o país das "falsas equivalências morais". Nos últimos dois anos, excetuando "covid-19", será com certeza a expressão mais repetida por cá. Há "falsas equivalências morais" em toda a parte, de toda a gente e para todos os gostos. No futuro, quiçá, teremos um festival das ditas, em que cada um apresenta a sua "equivalência moral" em forma de tweet, a serve como pescadinha-de-rabo-na-boca frita em óleo de whataboutism, a dá de seguida a provar em abundância à audiência para, no fim, limparem todos as bocas às mangas do bibe com profunda alegria e sinalização de virtude.
Eis os nossos concorrentes, senhoras e senhores. À direita, quando se fala do Chega, recorda-se o PCP e a União Soviética e o Bloco e as FP-25. Olhando os factos, eles subscrevem. À esquerda, responde-se com acusações de normalização e relativização do "fascismo" por parte da direita democrática. E, escutando as urnas, elas concordam. Quem levará a bicicleta para casa? Não sei, mas reservem-me, se fizerem favor, um par de bilhetes e um colete capaz de reflectir tanta hipocrisia.
Não querendo concorrer com uns ou outros no ensaio para o tal festival, de sucesso certamente garantido, parece-me claro que a música da "falsa equivalência moral" é mais antiga do que aparenta. A banda já cá estava, meus caros ouvintes. E não há nada mais sonoro do que um revival de Guerra Fria para relembrar os nossos abençoados artistas. Os seus intérpretes, sem surpresa geral, são os do costume. Desde que a possibilidade de a Rússia invadir a Ucrânia se tornou, para todos menos os próprios, "iminente", que a esquerda portuguesa desatou num coro de litanias contra o "imperialismo", o "Ocidente" e a horripilante NATO.
Há dias, Mariana Mortágua, qual Salomão dos sovietes, apontava o dedo ao belicismo do sr. Putin como forma de manter a sua popularidade entre os russos, fazendo de seguida um paralelismo com "os vários presidentes norte-americanos que tentaram o mesmo" nos Estados Unidos. Na minha ingenuidade, paralisei, boquiaberto. Não podia ser. A deputada do Bloco de Esquerda estava, sem pestanejar, a comparar um senhor que na última década anexou militarmente territórios estrangeiros, ordenou um atentado químico em solo europeu e prendeu o líder da oposição depois de o envenenar com "vários presidentes americanos" que, contrariamente a Putin, são "vários" porque foram a várias eleições livres.
Diabo. Então o Bloco não era contra as "falsas equivalências morais"? Por um autocrata no poder há mais de vinte anos no mesmo plano que "vários presidentes" democraticamente eleitos não é "normalizar o fascismo"? Não é relativizar uma ditadura, comparando-a a uma democracia? Não é aceitar lá fora o que se diz rejeitar cá dentro?
Se não é, tristemente, parece.
Ficámos assim a saber que o dr. Ventura, que pretende "moralizar o regime", "alterar a Constituição" e defender "a glória de Portugal", merece um cordão sanitário devido ao seu exército de 12 deputados. Já o sr. Putin, que subiu ao poder defendendo a "moralização do regime" e "a glória da Rússia" ‒ e se mantém no poder alterando a Constituição ‒ não merece cordão sanitário nenhum devido ao seu exército de 130 mil homens em redor da Ucrânia.
O que Mortágua não percebe, ou não quer perceber, é que o "cordão sanitário" que o Bloco defende contra os seus adversários no parlamento tem um nome para defender as democracias dos seus adversários no resto do mundo. Chama-se Aliança Atlântica.
Mas isto, claro, é só uma falsa equivalência moral.
Como todas as outras.