A mentira tem pernas curtas!
Parece que os tempos mudaram. Há uma guerra e, em consequência disso, uma situação inflacionária. A vida vai ficar pior. Mais cara, maior vulnerabilidade para os mais pobres. Os juros estão a subir, os compromissos das famílias com as prestações da habitação vão ficar mais insuportáveis. As empresas vão enfrentar dias difíceis com a subida do preço da energia. Aliás, algumas, não sobreviverão. O coração da Europa, a Alemanha, ameaça entrar em recessão já nos próximos trimestres. O panorama é pois de "vacas magras".
Este é o momento em que o país deveria interiorizar, globalmente, o que está a chegar. Os portugueses deveriam estar alertados para o que aí vem! Preparem a sua vida para as dificuldades que se avizinham. Amealhar o possível. Evitar gastos inúteis. Planear cuidadosamente as suas finanças. Olhar para o futuro a dois, três anos, no mínimo. Não assumirem compromissos financeiros longos e desnecessários.
O governo deveria ter um papel preponderante no alerta do que está para chegar. Não deveria "varrer para debaixo do tapete", esconder, dissimular, disfarçar. Deveria falar claro, ser pedagógico, explicar a toda a população, do Algarve às Beiras, as consequências de uma situação inédita na Europa. Falar claro e verdade, de um modo compreensível, é contribuir para unidade dos portugueses. É incentivar a uma solidariedade geracional, distribuir com parcimónia as mais-valias, mas também os sacrifícios. É essa a função de um governo, muito em especial em períodos de contração financeira, como o que estamos a viver.
Este governo tem um problema com a frontalidade no discurso. Quer, sistematicamente, "dourar a pílula". Tapa a realidade com uma peneira. Se há cortes nas reformas, não o assume. Se os funcionários públicos vão perder poder de compra, não explica porquê. Se as famílias e empresas não recebem os apoios que deveriam, não justifica a insuficiência desses mesmos apoios. O governo não é pedagógico com os portugueses, não é explicativo, não é claro. Não entende que a melhor maneira de mobilizar as populações para as dificuldades que vão surgir é falar-lhes verdade, contextualizar politicamente as diferentes situações. Se estão a aferrolhar dinheiro nos cofres públicos para prevenir a futuro, não tenham receio de o dizer! Digam que não aumentam as reformas ou não estabilizam o poder de compra dos funcionários públicos porque querem garantir segurança contabilística das contas no futuro. Não mintam, não dissimulem, não disfarcem, não tornem nebuloso o que deve ser explicado "tim tim por tim" para que todos saibam com o que contam.
Foi isso que Mário Soares fez em Agosto de 1977, quando teve de aplicar um programa de austeridade e foi, mais tarde, acusado de meter o socialismo na gaveta. No seu discurso de mais de uma hora o Estadista socialista não deixou sombra de dúvida sobre as medidas que ia tomar. Duras, muito duras. Pediu sacrifícios aos portugueses. Explicou-lhes o porquê dessas medidas. Desenhou uma estratégia de recuperar a economia, salvar a democracia e então, depois, o socialismo. Foi frontal, verdadeiro, pedagógico, envolvente, solidário e compreensivo com que o que estava a propor ao país e sabia que não ia ser fácil.
O discurso governamental hoje é feito de chavões, frases feitas, que na maior parte dos casos escondem a realidade. É um discurso telegráfico, politicamente pobre e redutor, a procurar disfarçar as consequências negativas das medidas que propõem.
Depois, o que acontece é o governo ser apanhado "à meia-volta" nas suas próprias contradições. A realidade política nesta legislatura é diferente da anterior. Os partidos da oposição estão mais organizados. O PSD mudou de liderança e a sua oposição é hoje mais eficaz, mais acutilante. Não é mais a "lengalenga" de Rui Rio. A Iniciativa Liberal cresceu. O PCP está liberto dos compromissos da gerigonça. O Bloco de Esquerda não tem nada a perder. Vai ser muito difícil ao governo passar entre "pingos da chuva", como tem pretendido fazer.
Falem verdade às pessoas, alertam-nas para o que está para chegar, expliquem com clareza o porquê das medidas que estão a tomar e as consequências das mesmas. Falem das "vacas magras que já andam por aí a pastar". Afinal, mais tarde ou mais cedo, todos vamos acabar por as ver e ter de lidar com elas.
Jornalista