Na Hungria o xadrez é um desporto popular, amplamente praticado. Esta popularidade deve muito a jogadores de excelência, de grande carreira como Judit Polgár. A história e os sucessos desportivos inspiradores das "três Meninas Polgár" são bem conhecidos e são motivo de grande orgulho para os húngaros. Não nos esqueçamos: Judit Polgár dominou o xadrez feminino durante 25 anos, até abandonar as competições em 2014, e no ranking absoluto, onde jogadores masculinos e femininos são igualmente considerados, entrou, várias vezes, no top 10. Na história do xadrez, é a única mulher que conseguiu esse feito", diz Miklós Halmai, embaixador da Hungria em Portugal..Com um pai xadrezista decidido a fazer das três filhas campeãs, Judit, nascida em 1976 e a mais nova, teve como professores grandes nomes do jogo mas também as duas irmãs. Susan, que viria a ser grande-mestre, foi uma espécie de tutora de Sofia, que chegou a mestre internacional, e de Judit. É mais velha cinco anos do que uma e sete do que a outra, compondo um trio verdadeiramente genial..Aos 6 anos, Judit ganhava jogos a adultos quase de olhos fechados e com apenas 12 tornou-se a mais jovem de sempre no ranking dos cem melhores da FIDE, a federação internacional de xadrez, ocupando o lugar 55. Chegou a ser a número oito mundial, entre homens e mulheres. O pai, Lászlo, sempre acreditou que o xadrez não devia estar separado entre homens e mulheres e as suas filhas bateram várias vezes grandes figuras masculinas. No caso de Judit, entre os campeões mundiais que derrotou estão Boris Spassky, Anatoly Karpov, Garry Kasparov e Magnus Carlsen..O ambiente em casa (uma família culta judia de Budapeste, que ensinou às filhas também esperanto) ajudou e muito ao sucesso das Polgár, mas o próprio país é um paraíso para os amantes do xadrez. Quem já visitou a capital húngara e foi aos banhos de Széchenyi viu gente nas águas termais a observar o tabuleiro e a tentar fazer xeque-mate a um amigo também entusiasta do jogo.."Entre os homens temos tido, também, grandes jogadores, destacam-se Lajos Portisch e Péter Lékó, com posições de destaque (3.ª e 4.ª) no ranking mundial. Falando de ranking mundial: poucos sabem que o método do seu cálculo, baseado no chamado sistema de pontuação Elo, foi desenvolvido por um físico húngaro, ele próprio excelente jogador de xadrez, chamado Árpád Élő", acrescenta o embaixador Halmai. Também o diplomata é um apaixonado por este jogo que terá sido inventado na Índia há 1500 anos: "Também sei algo de xadrez e, havendo tempo e parceiros, tenho gosto em jogar. Aprendi com o meu pai, aos 6 anos e, curiosamente, nessa altura só somava vitórias. Quando foi a minha altura, ensinei também aos meus filhos, ainda pequenos. Agora é a vez deles a vencer. E, claro, eles também ganharam o gosto.".Hugo Saraiva, xadrezista, treinador e árbitro, recorda-se de uma visita de Judit Polgár a Portugal no final dos anos 1990 e que o prodígio húngaro "fez uma simultânea contra vários jovens talentos portugueses e apenas perdeu e empatou um jogo contra dois colegas meus de equipa na altura". O xadrezista português destaca ainda que Judit "revolucionou o xadrez por abdicar dos títulos femininos e lutar pelos absolutos"..Também o país de origem da campeã merece elogios de Hugo Saraiva, que nota que "a Hungria possui uma das histórias mais ricas do xadrez com 12 medalhas olímpicas e quase sempre no pódio com a exceção dos anos 1990. E atualmente conta com quatro jogadores no top 100 mundial"..Sobre a precocidade das "Meninas Polgár", Hugo Saraiva diz ser impressionante, mas que a partir dos 4 anos se pode iniciar o ensino do xadrez a qualquer criança. "E aos 7 ou 8 anos pode adivinhar-se o seu talento, como em muitas outras modalidades, mas no xadrez apercebemo-nos disso pela genialidade de raciocínio", acrescenta, falando com a experiência de quem costuma ensinar crianças bem pequenas a conhecer o poder da rainha, a capacidade ofensiva dos bispos ou os truques do cavalo..Sobre o xadrez ser dividido em campeonatos masculino e feminino, o que Judit Polgár sempre contestou, Hugo Saraiva toma posição ao lado da campeã húngara: "Como treinador de xadrez há muitos anos que me deparo com a guerra dos sexos nos escalões mais novos, e a única razão plausível que vejo para haver o escalão feminino e o masculino é devido à falta de mulheres no mundo do xadrez, justificado talvez pelos estudos (aos 16 anos começam a diminuir), por motivos profissionais ou familiares (condição de mãe), em que na idade adulta pode não chegar aos 5% de participantes por torneio, embora o xadrez seja o único desporto em que não se mede força física, nem peso, nem altura.".Em Budapeste, os banhos nas quentes piscinas de águas termais são mistos e, claro, ninguém estranha ver homens a jogar xadrez com mulheres. Às vezes pais e filhas, inspirados pelas irmãs Polgár.