A medida do tempo
Parece uma eternidade, mas foi a 16 de março, há precisamente 4 meses, que as escolas encerraram em Portugal, quando ainda não havia consenso sobre essa medida. Os primeiros casos de Covid-19 datam do início do mês e, só pelo que assistíamos nos países próximos, se tornou imperativo avançar, sem que nessa altura houvesse alternativas à escola presencial. Como sempre acontece, foram vários os alvitres, com alguns a propor a solução fácil de terminar de imediato o ano letivo e prescindir do último período. Num movimento que gerou admiração internacional, a comunidade educativa construiu respostas que foram do ensino virtual, ao apoio ao estudo em casa através da televisão, através do telemóvel e do telefone ou mesmo da entrega em mão de materiais didáticos aos alunos. É bom lembrar que tudo isto só foi possível porque se juntaram professores, encarregados de educação, diretores escolares, tecnólogos, especialistas de currículo, didática e pedagogia, autarquias, forças de segurança, associações e todos os que concorreram para que se tentasse diminuir as diferenças de acesso à educação.
Talvez tenha sido este um dos pontos sensíveis com que nos confrontámos: a desigualdade de oportunidades foi mais nítida e tornou-se mais urgente dotar as escolas e os estudantes de meios que lhes permitam não ficar para trás. Esse tem sido o grande desafio em muitas regiões do mundo: evitar retrocessos na educação que significam, afinal, mais pobreza e desigualdade.
Em 2011, os chefes de Estado e de Governo ibero-americanos, que juntam Portugal, Espanha, Andorra e os países da América Latina, hoje com mais de 680 milhões de pessoas, lançaram um ambicioso projeto de Metas Educativas para 10 anos. As Metas 2021 foram concebidas como uma estratégia para conseguir mais estudantes na escola, do pré-escolar ao ensino superior, uma educação mais equitativa, mais inclusiva e com mais qualidade. As 11 metas e respetivos indicadores representaram um compromisso coletivo cujo seguimento pela OEI tem permitido medir avanços significativos. Atingiu-se, por exemplo, a universalização do ensino básico ou fundamental em quase todos os países da região, aumentou a cobertura do ensino médio ou secundário. Temos hoje a média histórica de 12,1 anos de escolaridade obrigatória, apostou-se na formação docente, houve uma melhoria significativa das infraestruturas (melhores instalações, mais equipamentos incluindo informáticos), e ainda outros meios de apoio à escolarização como o transporte ou a alimentação. Por outro lado, tornou-se consensual o papel primordial da educação na primeira infância e assiste-se a uma procura crescente do ensino superior.
Quando a Agenda 2030 das Nações Unidas foi aprovada em 2015, um dos objetivos estabelecidos foi precisamente garantir o acesso à Educação inclusiva, de qualidade e equitativa, promovendo oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. Tornou-se evidente a proximidade das duas agendas: aquilo que foi um objetivo ibero-americano, tornou-se uma meta global e um fator decisivo da transformação social, do crescimento económico e do desenvolvimento sustentável.
À medida que a pandemia foi avançando da Ásia para a Europa, muitos países da América Latina tiveram em consideração as experiências de Espanha e de Portugal e cedo tomaram medidas como o encerramento das escolas. Enquanto organização multilateral, a OEI apoiou os países da região reunindo e disponibilizando gratuitamente recursos educativos e partilhando as diferentes respostas dos governos para mitigar os efeitos da pandemia nos domínios da educação, da cultura e da ciência, incluindo a investigação sobre a Covid-19. Foi e continua a ser muito importante esta troca de informação, que também se tem feito através conferências virtuais que juntam diferentes países, diferentes parceiros, diferentes atores. Não tenhamos dúvidas. A educação está no centro da nossa capacidade coletiva de ultrapassar da melhor forma a tremenda crise que vivemos e se anuncia longa. Quanto mais crianças e jovens se afastarem ou tiverem acesso reduzido à escola, quanto menos condições houver para alcançar e completar o ensino superior, mais se agravarão as desigualdades e maior o distanciamento entre os que estarão e não estarão preparados para enfrentar os desafios do futuro e contribuir para novas sociedades incluindo a produtividade das suas economias.
O Relatório de 2020 das Metas Educativas da região ibero-americano centra-se nas competências para o século XXI, tendo sido convidado Portugal, através do Professor José Pacheco, do Instituto de Educação da Universidade do Minho, como um dos dois coordenadores do volume. Há muito que se vem refletindo sobre estas competências essenciais que servirão também para um mundo do trabalho que ainda desconhecemos.
A pandemia alterou a nossa medida do tempo. Tornou-se mais urgente a escola desenvolver competências como raciocínio, resolução de problemas, pensamento crítico, pensamento criativo, relacionamento interpessoal, autonomia ou saber tecnológico. Durante este período pusemos à prova muitas dessas competências e compreendemos a sua função na nossa vida em comum. Para muitas crianças e jovens, a escola digital ou audiovisual foi a solução para manterem as aprendizagens e tornou claro o esforço necessário para que todos possam, pelo menos, aceder a essa oportunidade. Mas também se reconhece a importância do sistema presencial em que aprendemos, interagimos e descobrimos em conjunto.
Precisamos de construir uma escola que dê voz aos alunos e não os tome como folha em branco onde o conhecimento se inscreve. A escola do futuro não se caracteriza apenas pela tecnologia e digitalização, mas como espaço para experimentar, desenvolver ideias e relacionar conhecimentos. Quanto mais trabalharmos em conjunto, melhor resistiremos aos desafios de um tempo de incertezas que, se não nos aplicarmos e arriscarmos a mudança, lança no horizonte mais desigualdade e pobreza.
Diretora em Portugal da Organização de Estados Ibero-americanos - OEI