A máquina do tempo

Publicado a
Atualizado a

Quis o destino que os inventores do cinematógrafo trouxessem no apelido o simbolismo da sua própria invenção. Fez-se lumière, ou luz, no mecanismo, mas também se fez luz no modo como este se acercou da realidade e iniciou com ela uma relação artística. O documentário Lumière!, de Thierry Frémaux, não traz propriamente uma novidade na sua tese de que os irmãos que patentearam o aparelho revolucionário eram já os primeiros cineastas da história, com toda uma gramática visual aplicada à matéria da realidade. Em 1968, Éric Rohmer filmou uma conversa com Henri Langlois, o fundador da Cinemateca Francesa, e o mestre Jean Renoir, onde se discorria sobre a minúcia do trabalho desses pioneiros, que invalidava qualquer hipótese de mero acaso na qualidade das suas tomadas de vista. Nesse pequeno documentário, intitulado Louis Lumière, Langlois e Renoir, dois pesos-pesados (literalmente) da história do cinema francês, debruçam-se com erudição sobre a consciência fundamental de que cada um dos filmes dos irmãos Lumière resulta de um rigoroso estudo do ângulo, da luz e mesmo de uma inspiração pictórica. Alguns dos filmes analisados então encontramos agora nas escolhas de Frémaux, à luz dos seus comentários, que embora mais breves, são suficientemente aliciantes para nos ajudar a perceber a natureza dramatúrgica em emergência nas imagens.

No documentário de Éric Rohmer, Langlois diz a certa altura que ver estes filmes do século XIX no século XX é como entrar numa máquina do tempo... Ora que espanto revestirá hoje em dia a experiência de contacto com esse movimento inaugural das imagens? "Máquina do tempo" é, de facto, a melhor definição que se pode dar à admirável viagem proposta por Thierry Frémaux, conquanto não deixemos de sentir uma fulgurante verve de modernidade no retrato de época.

Crítica de cinema

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt