A maioridade da princesa Leonor: novas responsabilidades e uma maior visibilidade
"Compreendo qual é o meu dever e o que implicam as minhas responsabilidades." As palavras da Princesa das Astúrias durante a sua intervenção na entrega dos prémios que têm o seu nome, no passado dia 20, antecipavam as obrigações do grande momento que hoje vai viver com o juramento da Constituição a coincidir com a sua maioridade. Falou como uma princesa mais madura e comprometida com os seus deveres como herdeira ao trono.
Leonor faz hoje 18 anos e inicia uma etapa com diferentes desafios pela frente. Uma princesa, ainda muito desconhecida para a grande maioria dos espanhóis, vai assumir novas responsabilidades e uma maior visibilidade. Até agora, "teve uma infância muito isolada, fechada, pouco exposta em comparação com o seu pai e tias. Os pais decidiram que teria poucas aparições públicas, vamos ver se isso tem um resultado positivo ou negativo", sublinha Ramón Pérez Maura, responsável pela Opinião no diário espanhol El Debate. "Mal teve uma maior presença pública, a sua popularidade começou a acrescer."
Para José Antonio Zarzalejos, jornalista e autor de Felipe VI. Um rei na adversidade, a princesa teve "poucas aparições, mas muito bem preparadas". O seu plano de formação e educação termina esta terça-feira com o juramento da Constituição e "este caminho foi do modo e como estava previsto pelos seus pais e tal e como corresponde a uma monarquia parlamentar", sublinha.
O cenário da cerimónia de hoje, o Salão de Sessões do Congresso, é o mesmo no qual o seu pai, o rei Felipe VI, então Príncipe das Astúrias, fez o juramento da Constituição a 30 de janeiro de 1986. O exemplar da Carta Magna será também o mesmo, mas muito tem mudado na composição do Parlamento.
"A Princesa das Astúrias vai jurar uma Constituição que neste momento está a ser destruída pelo próprio Governo e isso revela os desafios que, mais tarde ou mais cedo, vai ter de assumir. Com a Lei da Amnistia, Espanha vai ficar ferida. E o rei deve enfrentar um Governo onde não há lealdade à Coroa", lembra Pérez Maura. Recorda igualmente que na História da Europa Ocidental não houve nenhum Governo que contasse com partidos comunistas onde a monarquia sobrevivesse. "Caíram na Bulgária, Roménia, Grécia... Espanha é a exceção. É um grande desafio para a Coroa".
A Princesa das Astúrias começou, a 17 de agosto, a sua formação militar na Académia Geral Militar onde estará três anos. Primeiro na Academia do Exército (Saragoça), depois na Armada (Marín, Galiza) e finalmente no Exército do Ar (San Javier, Múrcia). Durante este período vai preparar-se para assumir, como futura chefe de Estado, o Comando Supremo das Forças Armadas, tal como está estabelecido na Constituição.
Posteriormente chegará a sua formação universitária e "vai fazer um programa académico como fez o pai. Não é uma licenciatura concreta, estudará cadeiras de distintas especialidades para ter uma formação global", explica o diretor de Opinião do El Debate. Espera-se que, tal como fez Felipe VI, complete a sua formação no estrangeiro. "Como tem a vantagem de ter um pai jovem e saudável, com potenciais anos de reinado, Leonor tem tempo para se formar. E deve aproveitar esse tempo para conhecer Espanha", acrescenta.
Terminada a sua formação militar e académica é suposto a Casa Real estabelecer um gabinete próprio para a Princesa das Astúrias, começando a ter agenda pessoal por delegação do pai. Entre os desafios que Leonor vai assumir nessa futura etapa, como membro de uma monarquia parlamentar, está a ligação às novas gerações.
"Deve ajudar a entender que a Coroa e a monarquia parlamentar são instituições do Estado e úteis para a integração do pluralismo social e a representação transversal dos cidadãos, sejam de Direita ou de Esquerda", explica Zarzalejos. Deve ser um ponto de referência comum, tal como o pai conseguiu.
Entre as tarefas que poderá assumir está a de representar Espanha nas tomadas de posse dos presidentes ibero-americanos.
Outro dos seus grandes desafios será ser mulher e chefe do Estado num país onde desde o século XVI só houve duas rainhas: Joana I (1504-1555) e Isabel II (1833-1868). "É uma grande novidade ter uma rainha titular no século XXI, o século da igualdade - tem um valor simbólico. Nomeadamente para os espanhóis, pois não temos tido nem presidenta do Governo, nem chefe de Estado [mulher] desde 1833. Com ela o mundo da mulher atingirá a máxima representação na magistratura do Estado", reflete o jornalista especialista na monarquia espanhola.
"Loura, olhos claros, uma menina tranquila e boa. Responde ao protótipo de princesa", começa por assinalar Carmen Enríquez, jornalista e autora de vários livros sobre a monarquia espanhola. Uma princesa da qual pouco se sabe porque "muita pouca gente teve relação com ela".
Tem sido nas conversas com pessoas que acompanharam o seu percurso de forma mais ou menos direta que Enríquez consegue dar algumas indicações sobre a forma de ser e atuar de Leonor. A única travessura de criança conhecida aconteceu na escola, quando mordeu um colega que lhe bateu, "o normal nas crianças pequenas".
Ao longo dos anos, na escola, "tem sido muito responsável. Os pais fizeram um grande trabalho para que ela percebesse o que significa ser a herdeira da Coroa", afirma a jornalista.
Algo que marcou a infância de Leonor e da irmã foi a presença dos pais na sua educação, tal como acontece na maior parte das famílias. "Cresceram com os pais. Felipe deixava os amigos para ir dar banho às filhas, fez questão de estar presente sempre que a sua agenda o permitia", sublinha. Felipe e Letizia partilharam a tarefa de levar e ir buscar as filhas à escola. Também quiseram integrar-se com os amigos e as suas famílias. "Eles também participavam nas festas de anos onde os pais estão presentes e juntaram-se com eles para outras atividades, com aqueles que tinham mais afinidades", esclarece Carmen Enríquez.
José Antonio Zarzalejos fala também da inédita relação das filhas com os pais dentro das monarquias. "Os reis não deixaram a educação das filhas em mãos de tutores, assumiram eles diretamente a educação. Favoreceu ter uma vida mais normal, estiveram muito presentes", frisa.
Durante estes anos a princesa Leonor esteve muito protegida dos meios de comunicação. "Quase não a vimos. As aparições foram contadas. Uma fotografia da família no Natal, na Páscoa com a família, em Maiorca, e depois escolheram alguma visita cultural para que tivessem alguma visibilidade." Na infância, durante as ausências dos pais, foi a avó materna que ficou com as netas e organizava o seu dia a dia. "Letizia tem uma grande confiança na sua mãe", indica Enríquez. Os reis eméritos gostavam de ter tido um maior contacto com elas e dizem que a rainha Sofia queria ter tido mais liberdade para estar com as netas. "Quando começaram a ser conhecidos os escândalos económicos do rei Juan Carlos I, a relação com Corinna Larsen...foi difícil", clarifica.
A relação de mãe e filha é muito boa e estreita, também com a irmã Sofia, "são muito amigas. Leonor protege muito a irmã mais nova", explica a jornalista. Para Carmen Enríquez, os reis fizeram um trabalho muito bom com as filhas. "Quando nasceram, como a maioria dos progenitores, o seu principal desejo era serem os melhores pais para as filhas, e conseguiram-no."
Tal como aconteceu com o pai, a Princesa das Astúrias vai ter de se acostumar à pressão mediática e social em relação aos temas do coração. Alguns meios publicaram a existência de um namorado em Gales, onde estudou, "nada que se tenha confirmado", explica Enríquez. Para já, a Princesa das Astúrias não tem relação com a realeza europeia. "Letizia teve cuidado para as suas filhas não darem a imagem de serem só princesas, e as suas amizades estão fora da realeza e da aristocracia."
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