A louca dança de cadeiras do 'late night'
Dezoito Emmys, dois milhões de espectadores presos ao ecrã todos os dias, o maior salário de todas as estrelas daquele segmento horário, o título do homem mais influente dos EUA em 2010 e uma enorme popularidade, principalmente junto dos jovens adultos e dos espectadores politicamente mais à esquerda. Ao longo de 16 anos, com um humor corrosivo, sem papas na língua e com os mais importantes políticos sentados no seu sofá de convidados, fez do The Daily Show, exibido por cá na SIC Radical, um marco na indústria da TV norte-americana e um dos mais bem-sucedidos programas de sátira política, diz, consensualmente, a crítica. Mas tudo isto não chegou. Jon Stewart não queria necessariamente mais. Queria diferente.
"Há momentos em que percebemos que aquilo que temos já não é o suficiente e que precisamos de sair da nossa zona de conforto", explicou o apresentador, que anunciou agora que iria deixar o programa da Comedy Central, poucas semanas depois de se ter estreado como realizador de cinema, embora ainda não tenha dado uma data certa para o adeus.
O anúncio fez correr tinta pelo mundo e é mais um impulsionador da dança de cadeiras que tem animado o panorama de late night norte-americano, com saídas de apresentadores, entradas de outros ou cancelamento de programas. Quem tenha estado mais distraído no último ano não iria reconhecer o late night que existe hoje.
Uma verdadeira montanha-russa iniciada com a saída de Jay Leno do seu The Tonight Show (exibido na SIC Radical) e que herdou do lendário Johnny Carson, anunciada em 2013 e concretizada há precisamente um ano, em fevereiro de 2014, depois de 22 anos à frente do icónico talk show da NBC.
Atualmente dedicado a um programa na mesma estação sobre a sua extensa coleção de carros raros e de luxo, Leno decidiu deixar o late night numa altura em que as audiências do formato estavam em declínio.
Quem também já anunciou a sua saída foi David Letterman, o respeitado apresentador de 67 anos que há mais de duas décadas dá a cara pelo The Late Show. Uma das figuras mais populares e acarinhadas do entretenimento norte-americano já tem data marcada para a despedida: a 20 de maio, altura em que termina o seu atual contrato com a CBS. "O programa tem sido ótimo, mas vou retirar-me", dizia aos espectadores no seu talk show, em abril do ano passado, perante uma plateia em pé e a aplaudir.
Fora dos seus programas estão também Craig Ferguson e Chelsea Handler. O primeiro despediu-se do Late Late Show há apenas dois meses, após nove anos à frente do formato da CBS. A segunda viu-se obrigada a deixar o Chelsea Lately, do canal E!, em agosto último, ao fim de sete anos anos de entrevistas atrevidas e irreverentes a celebridades. Em ambos os casos, o mesmo veredicto: os programas foram cancelados pelas respetivas estações.
Na outra face da moeda estão Jimmy Fallon e Stephen Colbert, os dois principais "promovidos" desta montanha-russa do late night no último ano. Fallon subiu no horário, deixou o Late Night with Jimmy Fallon e passou a apresentar, no mesmo canal, o The Tonight Show de Jay Leno; e Colbert é o eleito para sucessor de Letterman no Late Show, a partir do final de maio, sendo assim a segunda baixa da Comedy Central - onde também estava Jon Stewart.
Num panorama aparentemente caótico neste segmento televisivo para um tão curto espaço de tempo, os únicos que se têm mantido estáveis têm sido Jimmy Kimmel e Conan O"Brien. O primeiro continua firme na condução do seu Jimmy Kimmel Live há mais de dez anos. Já O"Brien mantém desde 2010 Conan, transmitido em Portugal na SIC Radical. Foi este o programa, de resto, que marcou a sua ida para o mercado de cabo, para a estação TBS. A transição foi sequência da muito falada polémica da substituição de Leno por Conan na apresentação do The Tonight Show. No entanto, apenas sete meses depois, e devido às fracas audiências, a estação voltou atrás na decisão, vendo-se obrigada a pagar uma indemnização milionária a Conan. O caso gerou uma troca pública de comentários menos positivos entre as duas estrelas da televisão.
O que está a gerar a dança de cadeiras no late night e que consequências terá?
Com tantas saídas e trocas de apresentadores e programas, quão lesado ficará este importante horário televisivo nos EUA com tantas mudanças?
"O anúncio das saídas de Jay Leno e David Letterman foi o início de uma nova era. [...] Ambos são instituições culturais, ainda que com sensibilidades humorísticas diferentes e em canais rivais. Estará a era de ouro dos talk shows de late night nos EUA a chegar ao fim?", questiona Tim Walker, crítico sobre assuntos do pequeno ecrã do jornal The Independent.
Brian Moylan, especialista de TV do diário The Guardian, não tem dúvidas: a saída de Jon Stewart foi a gota de água num panorama de late night já atualmente fragilizado. "Há poucas coisas certas na vida: a morte, os impostos e as piadas de Jon Stewart todos os dias na Comedy Central. Acabámos de perder uma", começou por escrever. E continou: "Em 2010, um estudo mostrou que mais jovens adultos ficavam a par da atualidade e das notícias nos EUA com o The Daily Show do que com o The New York Times. A saída de Stewart deixa o late night numa encruzilhada. Sem ser o Jimmy Kimmel, que tem estado à frente do seu programa há mais de uma década, quase todos os restantes apresentadores são novos ou estão prestes a serem substituídos, não tendo ainda provas dadas ou não estando a causar grande impacto à frente dos seus formatos. Este é um panorama de completa desordem", explicou o jornalista.
Por seu lado, Emily Nussbaum, da prestigiada revista The NewYorker, olha precisamente para este cenário de caras novas pelo lado positivo. "O late night é o género mais estático da televisão norte-americana. Isto não tem poupado os media de o definir como o mais entusiasmante - e talvez seja, se estiveram interessados na TV como uma corrida de cavalos de baixo orçamento. Todos os programas são idênticos, o género encalhou. Ainda assim, pode ser salvo, ou, no mínimo, refrescado, durante este ano, com novos talentos, sem Jay Leno, com David Letterman de saída e o cancelamento do talk show de Craig Ferguson.
John Jurgensen, colunista do The Wall Street Journal, aborda as alterações no late night como um sinal natural da mudança dos tempos. "A constelação de estrelas do late night está a mudar de forma de várias maneiras. O ponto final da carreira de 22 anos de Jay Leno à frente do The Tonight Show foi o maior abre olhos que podia existir sobre a forma como o late night passou de um ritual partilhado com estruturas de programa idênticas para uma série de experiências de nicho. O público também está disperso: há mais programas deste género e mais apresentadores para os espectadores escolherem e também existem muitas mais formas de os ver", conta.
Bradford Evans, da revista Splitsider, concorda e explica que, cada vez mais, as estações de TV estão a dar mais importância aos apresentadores em si do que aos formatos, muitos deles já títulos conhecidos em todo o mundo, talvez como forma de manter os anfitriões no ar por mais tempo no mesmo local. "Os últimos cinco formatos do género que se estrearam foram Conan, Lopez Tonight, Chelsea Lately, The Colbert Report e Jimmy Kimmel Live - todos eles programas que incorporam, especificamente, o nome dos seus apresentadores em vez de um vazio como The Tonight Show With... e o nome da pessoa, o que facilita a mudança de apresentadores. Não vai existir nenhuma batalha para ver quem vai conduzir Conan, por exemplo. Porque Conan só existe um. E, por isso, os franchises desta faixa horária estão, lentamente, a morrer", adianta o crítico de TV.
Adam Buckman, colunista do News-Daily, olha para as mudanças no late night da forma mais tranquila possível: afinal, a TV é um mercado que não para. "Se é verdade que o horário nobre é criticado e analisado em demasia com as encomendas ou os cancelamentos de séries ou programas, ou alterações aos seus elencos, a verdade é que o late night é ainda mais massacrado. Talvez porque no horário nobre as mudanças são constantes e múltiplas, todos os dias. O late night, por seu lado, e comparativamente, tem menos programas e mudanças, o que criou um cenário no qual os seus apresentadores emergiram como as maiores estrelas da TV, ponto final. Mesmo sem as audiências do horário nobre. Por isso, não me choca que o anúncio de Jon Stewart tenha descambado no já esperado leque de críticos sem fôlego a declarar a chegada de mais um terramoto no solo do late night, cujas ramificações ameaçam alterar para sempre a topografia. Isto é tudo um profundo exagero", escreveu Buckman.
Aos 51 anos, Conan O"Brien passa a ser o veterano do late night
A dança das cadeiras dos anfitriões de late night vai deixar em breve, com Letterman e Stewart fora do jogo, Conan O"Brien como o único veterano deste segmento televisivo, ele que apresenta neste horário há mais de duas décadas. "Já me estou a sentir confortável com o título de "O Novo Avozinho do Late Night"", riu-se o ruivo de 51 anos mais conhecido da TV numa recente entrevista ao Yahoo!.
"No minuto a seguir à saída do David, vou encarnar num veterano da Guerra Civil de 1941, com um programa cheio de rubricas a resmungar com tudo e todos. Mal posso esperar para ser avozinho, vou aproveitar ao máximo essa fase. Já sinto o pelo a crescer das orelhas", acrescentou, com o seu tom sarcástico e divertido. E num tom mais sério, o condutor de Conan frisou: "Não deixa de ser hilariante. Há algo em mim, não sei bem explicar o quê, talvez pela minha atitude e abordagem meio palerma à comédia, que me levou a ser considerado durante 18 dos 22 anos em que apresentou formatos de late night como um "jovem maluco". Agora, de repente, o David decide deixar o seu talk show e é do género: "Ah, agora o Conan é o mais inteligente e sensato"", ri-se O"Brien.
Jon Stewart pode vencer na riqueza, mas há outro apresentador mais influente
Salários à parte, e uma vez que a credibilidade de um apresentador de late night é um elemento-chave para o sucesso do seu programa, qual é, afinal, a mais influente e poderosa estrela deste horário de TV nos EUA? Nada mais nada menos do que... o mais novo de todos.
Aos 40 anos, Jimmy Fallon, o homem que substituiu Jay Leno no The Tonight Show, é o apresentador mais influente do late night, segundo revelou a revista Forbes na mais recente lista. No geral do ranking dos mais influentes da TV, liderado por Oprah Winfrey, e seguida de Ellen DeGeneres, Fallon ocupa o sexto lugar.
O único outro rosto do late night presente na lista é Jon Stewart, sendo assim o segundo mais influente deste segmento televisivo e o nono no geral. Ele que em 2010 tinha sido eleito como o homem mais influente dos EUA num inquérito a meio milhão de norte-americanos, ficando à frente de nomes como Mark Zuckerberg, Bill Gates, Steve Jobs, Barack Obama, James Franco, Jon Hamm ou Kanye West.
Ainda a título de curiosidade, e medindo o nível de "amigabilidade" dos anfitriões de late night, um inquérito levado a cabo há um ano pelo site The Wrap, Stephen Colbert é o mais afável para o público norte-americano, seguido de John Oliver e, em terceiro, de Jon Stewart: curiosamente, três profissionais que fizeram carreira no Daily Show, os primeiros como argumentistas e o último como apresentador. Em quarto e quinto lugares ficaram, respetivamente, Seth Meyers e Jay Leno.