A líder sem convicção
A partir de dia 1, quarta-feira, Angela Merkel preside formalmente à União Europeia, mas há bastante tempo que a lidera, quase isoladamente. A sua ideia de Europa, mais de resultados do que de valores, é o modelo que estamos a seguir. A virtude é que pode ter sucesso, o defeito é que não tem um conceito moral. Isso é bom, porque não pede adesão, e é mau, porque não é inspirador.
No início do ano, numa entrevista ao Finacial Times, Merkel explicou o que a impressionava no sucesso económico chinês: "às vezes, tenho a impressão de que muitas pessoas simplesmente ficam chocadas com o rápido crescimento económico da China. Mas, como foi o caso na Alemanha, esse aumento baseia-se em grande parte no trabalho duro, na criatividade e nas habilidades técnicas. Teremos que aceitar isso". Merkel não destaca a diferença do modelo, o papel do Estado e a desconsideração pela liberdade como parte fundamental desse sucesso. Esta visão tem tanto de pragmática quanto de não valorativa nem inspiradora. E ajuda a perceber porque é que a sua economia social de mercado pede liderança do Estado.
Há ainda outra questão relevante. Merkel sabe que a China e o Ocidente têm visões divergentes sobre o mundo, o Homem e os valores fundamentais. Mas não acha que esse antagonismo seja suficiente peara sermos inimigos. A interdependência económica dá-lhe razão. Pelo menos circunstancial. Mas é só aí.
Houve um tempo em que o Ocidente, as democracias liberais, exibia duas vantagens fundamentais em relação ao modelo alternativo: a ideia de liberdade era moralmente superior, e o resultado económico era melhor. Não havia razões, de princípios ou de resultados, que justificassem o outro lado. Ao mesmo tempo, a par da liderança moral e económica, o poder militar garantia a segurança. Hoje, as circunstâncias são substancialmente diferentes. E é por isso que a comparação com a Guerra Fria é inútil para pensar o mundo actual: o outro lado é um adversário sistémico e um concorrente económico com quem estamos profundamente integrados. E o Ocidente, ou quem o lidera, não acredita, ou não invoca, que é melhor. Apenas que precisa de ganhos, porque sabe que há competição.
A esta perda de crença entre as próprias lideranças, acresce uma perda de adesão nos povos. À esquerda e à direita, os extremos vão crescendo e partilhando uma convicção: o modelo não presta. Porque é racista, imperialista, delapidador dos recurso, diz um lado. Porque é frouxo com os seus inimigos internos e externos, diz o outro.
Neste contexto, a liderança de Merkel tem uma vantagem e um risco. Se a economia correr bem, os que acham que são os deserdados do capitalismo e da globalização, podem recuperar a fé no modelo. Mas ninguém defende o Ocidente por convicção. Nem mesmo a Europa. E isso tem um custo.