A liberdade à janela
Diretamente ao assunto: assinalar o 25 de Abril, quer seja de forma institucional quer em casa e à janela, é sempre fundamental, mas neste ano, quanto a mim, é sobretudo vital. No plano institucional, é a forma de relembrar que a pandemia com que nos debatemos até nos pode restringir a liberdade de circulação (e a dos afetos), mas não nos tira o direito universal às liberdades. A festa, claro, não é possível e a celebração não sairá à rua nem sequer num dia assim, importante. Mas assinalá-lo, é.
O 25 de Abril deste ano surge envolto em polémica. É certo que a saturação e o cansaço que começamos a revelar contribuem para isso, mas é preciso evitar a tentação da crítica precoce, que é estéril e inútil. A cerimónia deste ano, cujos moldes são definidos pela própria Assembleia da República, decorre hoje com a normalidade possível, com um número francamente inferior quer de deputados quer de funcionários e em estreita articulação com as normas definidas pela Direção-Geral da Saúde.
O Parlamento manteve-se em funções, apesar dos condicionamentos, para permitir os mecanismos que evitaram a paralisação total de Portugal nesta fase da pandemia. No entanto, cada um dos cidadãos do universo da Assembleia da República, sem exceção, partilhou dos mesmos constrangimentos impostos a todos. Nenhum deles se despediu dos familiares que partiram nem abraçou ainda os que, entretanto, nasceram. E nenhum celebrou em festa as suas crenças como costumava, como a Páscoa e outros eventos similares.
A Páscoa, aliás, tem sido chamada à questão pela comparação e como exemplo. Podia responder-se de forma ligeira que, tendo Abril um certo cariz de ressurreição (pela liberdade que trouxe), o cravo não é, de todo, hóstia... mas útil é perceber que o que ambas as datas têm em comum neste ano é a preocupação com a saúde pública. Desculpem-me os que não concordam comigo (há liberdade para isso), mas o exemplo que se está a dar hoje na Assembleia é mesmo e só o do respeito pelo rigor que se exige atualmente ao nosso quotidiano.
No mundo, ocorre uma tentativa de subversão de valores, pelo negacionismo. Desde os que negam as alterações climáticas aos que negam agora o valor do distanciamento social (os mesmos), há muitos exemplos. Por isso, temos de perpetuar a memória, para evitar a negação da liberdade e também para refletir sobre a mesma. Por exemplo, qual a fronteira constitucional, quanto à limitação da circulação de idosos no contexto atual? Não há perigo de uma discriminação que traga à "maioridade" uma menoridade de cidadania? O dever especial de proteção tem de continuar a ter como aliada a base da nossa estratégia - a confiança.
Abril trouxe paz e cabe-nos mantê-la. À polémica ponha-se-lhe um cravo, como se fosse espingarda, e cante-se a Grândola. Viva o 25 de Abril!
Deputada do PS