A lenta e difícil assimilação da modernidade em Portugal

Em 1916, Amadeo de Souza Cardoso, que já era um artista internacional, tendo trabalhado e exposto em Paris, Bruxelas e Berlim, teve, finalmente exposições no Porto e Lisboa. Com nus e escândalo, o artista chegou a ser agredido na Rua do Loreto e a exposição da capital teve de fechar as suas portas.
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Almada Negreiros foi, como dizia José-Augusto França, "português à força". Em 1927, não encontrando contexto para desenvolver a sua obra, decidiu ir para Espanha e chegou a ser convidado a participar na Bienal de Veneza integrado no pavilhão espanhol.

Em 1940, o Estado português recusa a nacionalidade portuguesa ao pintor húngaro Arpad Szènes, que se casara em Paris com Maria Helena Vieira da Silva. O casal refugia-se no Brasil, e Vieira da Silva acaba por adquirir depois a nacionalidade francesa.

São apenas três casos, mas mais haveria a relatar. Portugal nem sempre foi um bom anfitrião para os seus artistas e, ao longo da primeira metade do século XX, muitos foram os criadores que viajaram - em busca de formação, de inspiração e de contacto com "o que se faz lá fora". Alguns deles optaram por continuar a trabalhar no estrangeiro.

"Foi lenta e difícil a introdução da modernidade" no nosso país, afirma Pedro Lapa. Por motivos culturais e políticos. "Salazar defendia uma arte de cariz oitocentista, com pendor naturalista, que faz o elenco do ideário rural, como é o caso de Malhoa." E, depois, faltavam instituições - a primeira grande instituição a apoiar os artistas foi a Fundação Gulbenkian, criada nos anos 50 - e as poucas que existiam, como o próprio Museu de Arte Contemporânea, inaugurado em 1911, tinha "uma direcção bastante retrógrada". Só no pós-guerra é que surgiu uma geração ter um trabalho pioneiro, um desejo de romper com este bloqueio - vê-se isso no final da década de 50 com obras que representam uma desilusão porque, ao contrário do que se esperava, não houve uma abertura do regime.

Esta é "uma das histórias" que conta a exposição 'Arte Moderna em Portugal, de Amadeo a Paula Rego', que foi ontem inaugurada no Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado, em Lisboa. Trata-se de uma exposição bastante abrangente que, com 101 peças de 44 artistas, traça o retrato da arte portuguesa num período de mais de 50 anos e que mostra, particularmente, "a formação dos modernismos na arte portuguesa". Abel Manta, Cruzeiro Seixas, Dórdio Gomes, Mário Eloy, Dórdio Gomes, Nadir Afonso, Marcelino Vespeira, Santa-Rita Pintor, António Dacosta, Júlio Reis Pereira, Mário Cesariny, Fernando Lanhas, Nikias Skapinakis, João Hogan e Querubim Lapa são alguns dos artistas representados. A maioria das obras pertence à colecção do museu, mas algumas são emprestadas pela Gulbenkian, Museu Arpad Szènes/ Vieira da Silva, Museu Berardo, entre outros.

A organização cronológica, com algum pendor pedagógico, permite perceber os avanços e recuos nas tendências artísticas, as tentativas de inovação, as influências estrangeiras, os caminhos que estes mesmos artistas vão seguir no futuro. Pedro Lapa, director do museu e curador da exposição, sublinha ainda o destaque que tentou dar à fotografia: "A fotografia desta época é quase desconhecida, costuma ser relegada para segundo plano devido a um modelo de história da arte baseado nas belas-artes (pintura, escultura, desenho) mas que é bastante vanguardista." Aqui podemos ver alguns fotógrafos mais conhecidos do público, como Fernando Lemos, Victor Palla e Gerard Castello-Lopes, e outros menos divulgados, como Varela Pécurto, Adelino Lyon de Castro, Henrique Risques Pereira e Eduardo Harrington Sena. "Estas imagens permitem mostrar que na época também existiam no país algumas práticas modernistas na fotografia."

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