A justiça em tempo de eleições

Sucessão de notícias sobre casos envolvendo candidatos mostra o quanto mentirosas são as promessas de independência entre os interesses políticos e a justiça.<br />
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Sabia-se ser inevitável que os processos e investigações judiciais viessem a ser tema central desta campanha eleitoral. Mas enquanto os partidos aguardam o arranque oficial - daqui a 15 dias -, as fugas de informação do sistema judicial vão lançando para a praça pública notícias sobre os casos em que estão, directa ou indirectamente, envolvidos candidatos. Além do mais previsível de todos, o processo Freeport - sobre o qual ficámos esta semana a saber que não estará concluído antes das eleições e quando estiver dificilmente implicará José Sócrates -, houve novidades sobre vários outros. Em Aveiro, soube-se que a Polícia Judiciária está a investigar Élio Maia, actual presidente e candidato pela coligação PSD/CDS. Mais no interior, em S. Pedro do Sul, é Carlos Figueiredo, que já cumpriu dois mandatos e tenta uma terceiro pelo PSD, quem está a ser acusado por, alegadamente, ter feito um ajuste directo a um dos membros da sua lista. Em Lisboa, no âmbito da investigação que começou há dois anos, soube-se, ontem, que o arquitecto da autarquia Jorge Contreiras validava projectos de uma empresa de que era sócio.

Até na universidade do PSD, os alunos esperavam aulas de política, mas os "professores" Paulo Rangel e Marques Mendes quase só falaram de justiça.

Parece muito, mas não é. Porque, embora não haja forma de o provar já, nas próximas semanas as notícias judiciais vão continuar a marcar o ritmo da campanha. E, à medida que forem sendo divulgadas sondagens, a previsão será aumentar.

Não está em causa a veracidade dos factos ou das suspeitas noticiadas, até porque a sua maioria só será confirmada ou desmentida muito depois das eleições, ou seja, já com os visados eleitos ou derrotados. Mas, em véspera de ida às urnas, os agentes judiciais deveriam redobrar a discrição, sob pena de a sua acção condicionar a escolha dos eleitores sobre candidatos inocentes.

A coincidência temporal destas informações demonstra assim que permanece inglório o esforço dos (poucos) que na máquina da justiça ainda cultivam o sigilo. E, mais grave, demonstra o quanto mentirosas são as promessas de independência entre os interesses políticos instalados e as instituições judiciais. 

O exemplo de Sarkozy

Nicolas Sarkozy está numa cruzada contra os bónus dos administradores de empresas cotadas. O pacote de propostas que levará à próxima cimeira do G20, em Pittsburgh, só será conhecido a 24 e 25 de Setembro, mas até lá o Presidente francês vai dando o exemplo dentro de casa. Inflexível, Sarkozy impôs limites à remuneração dos gestores da banca e avisou, desde logo, que as instituições que violarem estas regras serão de imediato penalizadas no negócio. Um presidente socialista não faria melhor. Mas Sarkozy é de direita, à excepção de quando entende que a melhor decisão está à esquerda.

O PGR, a ministra e a gripe A

Discreto, mas frontal, Pinto Monteiro tem conquistado o respeito público pela forma como tem defendido o combate à sensação de impunidade e a firmeza com que reagiu, por exemplo, à violência nas escolas. Esperava-se, por isso, outra condução do caso das denúncias de contágio intencional de gripe A feitas pela ministra da Saúde, Ana Jorge.

Depois de a Procuradoria-Geral da República ter comunicado que "todos os que exercem funções públicas (nos hospitais, centros de saúde, etc...) estão obrigados por lei a denunciar factos de que tenham conhecimento relacionados com a propagação de doença contagiosa", Pinto Monteiro só tinha um caminho: investigar! Houvesse ou não uma denúncia proactiva da ministra. Mais, tratando-se de um titular de um cargo público de grande relevância, o PGR deveria dar um tratamento exemplar ao caso e não arrumá-lo discretamente na gaveta como fez. Está aberto precedente, aguardemos pelas suas consequências quando outros assuntos similares estiverem em causa.

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