A jihad, o Al-Andaluz e nós
Um dia ouvi um marroquino em Granada olhar para o Alhambra e dizer que "um dia voltará a ser nosso". Noutra ocasião, na Tunísia, um guia falou com carinho do califado de Córdova e de como os árabes tinham sido felizes quando eram senhores de terras ricas em água. E numa reportagem no Paquistão, logo a seguir ao 11 de Setembro, não faltou quem me relembrasse em Carachi ou Peshawar que Portugal e Espanha já tinham sido países islâmicos. Por isso, as ameaças do Estado Islâmico à Europa, com referências a Portugal como a outros países, não são surpresa. É óbvio o fascínio no mundo muçulmano pelo Al-Andaluz, que no caso dos jihadistas é uma obsessão.
Paraíso de coexistência entre as três religiões do livro, terra de tolerância relativa no mundo medieval ou utopia islâmica, o Al-Andaluz já foi descrito de múltiplas formas, seja nos estudos universitários, nos artigos de jornais ou nas conversas de rua. Os muçulmanos dominaram a Península Ibérica durante séculos a partir da conquista de 711 e só perderam o seu último reino em 1492, quando os Reis Católicos tomaram Granada em simultâneo com a chegada de Colombo às Américas. Confirmava-se a ascensão do Ocidente, que alguns ainda chamavam Cristandade, e o declínio do Islão, que o Império Otomano, de matriz turca e não árabe, ainda disfarçou durante dois séculos.
Há evidentes sinais de revanche antiocidental na atual vaga de terror jihadista iniciada em 2001. E por isso Nova Iorque, Madrid, Londres, Paris e agora Bruxelas como alvos. Mas é preciso não esquecer que também o mundo islâmico tem sofrido com o terror, umas vezes como mero palco de atentado contra ocidentais, desde Bali em 2002 a Istambul ainda há bem pouco tempo, mas muitas vezes mais como cenário de morte para muçulmanos. O que significa que sobra em extremismo o que falta em lógica a quem mata em nome da religião. Assim, a reconquista do Al-Andaluz é só mais um pretexto, mesmo que apelativo.
Fernando Reinares, o maior perito espanhol em terrorismo, há muito que adverte para a vulnerabilidade dos países do Al-Andaluz. Aliás, a ameaça de reconquista da Ibéria surgia já nos discursos do palestiniano Abdullah Yusuf Azzam, assassinado em 1989 no Paquistão e considerado um inspirador do saudita Osama bin Laden. Também é referida em mensagens do egípcio Ayman Al-Zawahiri, que sucedeu a Bin Laden à frente da Al-Qaeda. E agora é constante na retórica do Estado Islâmico, grupo que a partir da sua base no Iraque e na Síria ambiciona promover a jihad global.
Está Portugal mais frágil hoje? Só se for porque graças a alguns portugueses que combatem pelo Estado Islâmico o Al-Andaluz deixou de ser só identificado com Espanha, o país do Alhambra. Vigilância sem sinais de pânico é o que se exige agora às autoridades portuguesas. E muita cooperação policial com o resto da Europa, a começar pelos espanhóis.