À janela ou na igreja, o fado está de volta à Ribeira
Quase no arranque da segunda edição do Caixa Ribeira, ontem à noite no Porto, Joana Amendoeira tomou conta do Salão Árabe, no Palácio da Bolsa. Encantada com a beleza do espaço, a artista juntou na plateia pessoas de várias idades, provando que o género musical há muito se impôs na cultura portuguesa, não tendo sido por acaso que foi reconhecido como Património Imaterial da Humanidade.
"O fado já não é só de Lisboa e de Alfama. Eu própria sou de Santarém e sempre ouvi fados em tertúlias onde comecei. De facto, acontece em Lisboa todos os dias, mas todo o país vive e sente o fado", avalia a ribatejana que, na carreira, faz questão "de ter um pé no passado e outro na modernidade". Joana Amendoeira, de 33 anos, gosta do fado clássico, mas sabe que "é o arrojo que atrai mais". Para ela, "o fado está mais democrático até pela forma de expressão e o repertório. Apesar de continuar a cantar sentimentos, tem agora outra roupagem até mesmo na sua vertente tradicional".
Ontem, a primeira das duas noites do Caixa Ribeira fechou com a ousadia de Ana Moura, num festival em que se "cruzam gerações, com fadistas mais novos e outros com mais experiência", nota Alberto Rocha, da Música no Coração, que organiza a iniciativa, destacando, "como os mais novos artistas, o Kiko e o Pedro Pereira". "O Pedro é do Marco de Canaveses e ganhou um concurso, enquanto o Kiko tem mais experiência e vai lançar agora um disco", explica o responsável.
Para livre acesso a todos os espaços dos espetáculos há que trocar o bilhete pela pulseira oficial. E, foi na fila para a permuta, que o DN se cruzou com alguns espetadores. Bastante extrovertida, enquanto não chegava a sua vez, Marcelina Silva, da Maia, foi mostrando a queda para fadista. Ela bem tentou subir ao palco do certame através de "um casting da Rádio Festival e do Porto Canal, mas não acabou muito bem". Excluída no teste, comprou bilhete para ver os que, com ela, tentaram e tiveram sorte. Mais discreto, Antero Martins, da Póvoa Varzim, quer "ver o máximo possível", embora reconheça especial admiração "por António Chainho".
40 artistas em onze locais
Até logo à noite, o fado é rei e senhor no Porto onde o Caixa Ribeira junta cerca de 40 artistas em onze locais emblemáticos. O evento começou ontem, mas hoje também, os espetadores podem seguir o roteiro ao som das preferências artísticas ou até mesmo curiosidade. "Transversal", o festival "consolida, nesta edição, a presença no Porto e no Norte, onde há também fado e bons artistas", garante ao DN Alberto Rocha. Sem tradição declarada, "o Porto tem grandes fadistas - a Maria da Fé é um grande exemplo - e o Norte está muito bem representado. Aliás, a Gisela João é também prova disso. O alinhamento é muito forte e é um privilégio reunir os melhores fadistas do mundo", resume Luís Montez, o anfitrião de um festival que integra a programação oficial das Festas da Cidade. Orgulhoso pela adesão do público, o promotor lembra que "o festival une a vertente musical à gastronomia, à arquitetura e à história da cidade", sendo que serve de cicerone a quem entra nos espaços para ouvir fado e acaba por ver o que há na cidade onde vive. Afinal, "há pessoas do Porto que não conhecem, por exemplo, a Igreja de São Francisco e que ficam extasiadas quando lhes mostro o Salão Árabe", frisa Montez, acrescentando que "a âncora aqui é o fado e depois as pessoas ficam maravilhadas com o que veem".
Além do Palácio da Bolsa e da Igreja de São Francisco, o velho casario ganha vida com as guitarras clássicas a decoraram as ruas e a assinalarem outros locais onde há espetáculos, como o mercado Ferreira Borges, a cave da Casa Ermelinda Freitas, no Cais da Estiva - onde o fado também se mostra à janela -, a antiga Junta de Freguesia de São Nicolau, o Palco Caixa junto à Alfândega, e a Casa do Infante "a novidade no roteiro desta edição". Descrito como surpresa, os locais e hora do concerto de Gisela João "serão anunciados durante o dia de sábado [hoje] nas redes sociais, no site e por elementos do staff", revela Alberto Rocha, satisfeito "pela garantia de que não vai chover".
Ainda antes de o festival lançar os primeiros acordes, chegou ontem às lojas a coletânea do Caixa Ribeira"16 com dois discos alinhados com o que acontece agora na Invicta. Para breve, está previsto o lançamento ainda do álbum alusivo ao Caixa Alfama, o precursor do evento a Norte, e que se repetirá em setembro, em Lisboa. "As datas e os primeiros artistas serão anunciadas na próxima terça-feira", revela Luís Montez, garantindo já "a terceira edição do Caixa Ribeira e outras mais".