A Itália está a preparar-se para um monumental deslize orçamental

A confrontação sobre a despesa está a reativar a crise latente da zona euro
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A curta história da zona euro ensinou-nos que a resistência é vã. Não se pode fugir às suas regras, com as quais todos os Estados-membros concordaram.

A menos que o governo italiano tenha uma estratégia clara para a saída da zona euro, está a preparar-se para um falhanço monumental. Os líderes da Liga de extrema-direita e do Movimento 5 Estrelas têm convicções fortes, mas não acredito que tenham uma estratégia.

O principal instrumento de coerção na zona euro não são as suas regras orçamentais, mas o poder do Banco Central Europeu de retirar o financiamento dos bancos nacionais. Este não é um poder discricionário, mas sim um poder que é automaticamente acionado quando a dívida soberana de um país perde o estatuto de grau de investimento.

Quando os bancos detêm grande parte da dívida dos seus países, como é o caso em Itália, estão no caminho do insucesso se os seus governos adotarem uma política orçamental insensata.

A causa para o atual aumento dos juros dos títulos soberanos italianos foi o orçamento de 2019. O anterior governo italiano concordou com uma meta para o défice de 0,8% do produto interno bruto em 2019. O orçamento do atual governo prevê um défice de 2,4%. A Comissão Europeia também discorda das premissas otimistas para o crescimento futuro, e teme mais deslizes. Olivier Blanchard e Jeromin Zettelmeyer, do grupo de estudos do Instituto Peterson de Economia Internacional sediado em Washington, concluíram que o plano orçamental não iria estimular o crescimento e poderia até mesmo reduzi-lo.

A comissão está certa quanto à substância. Se foi sensato confrontar um país que é grande demais para fracassar é outro assunto. A Itália precisará de emitir 250 mil milhões de euros de dívida no próximo ano. O spread da dívida italiana a 10 anos relativamente a títulos alemães equivalentes tem estado em torno dos 300 pontos-base - ou 3 pontos percentuais - durante a maior parte deste mês. O ministro italiano das Finanças, Giovanni Tria, disse que tal spread não seria sustentável. Ele está certo. Então, o que acontecerá quando o insustentável terminar?

Há algumas medidas que o governo italiano pode tomar. No entanto, a maioria infringe as regras da UE. Matteo Salvini, o vice-primeiro-ministro e líder da Liga, sugeriu que o governo poderia recapitalizar os bancos, que precisarão de refinanciar 18 mil milhões de euros dos seus próprios títulos no próximo ano.

Isso não é assim tão fácil. A legislação da UE já não permite que os governos recapitalizem os bancos como costumavam fazer. Um banco que não cumpra as regras de solvência tem de ser apoiado ou liquidado, de acordo com um regime europeu de resgate por acionistas e obrigacionistas.

Outra opção é uma série de políticas que se enquadram na ampla categoria de repressão financeira. Além dos incentivos fiscais para os aforradores italianos a favor dos títulos da dívida soberana, o governo poderia simplesmente impor controlos de capital, forçando os investidores italianos a manter as suas economias dentro do país. A Grécia e o Chipre introduziram controlos de capital em tempos de crise, mas que foram acordados com a UE.

Poderiam ir ainda mais longe com a introdução de uma moeda paralela. Antes das eleições deste ano, a Liga elaborou planos para os chamados mini-BoTs. Estes são títulos emitidos pelo Estado que se parecem com euros e têm as mesmas denominações. A grande ideia era tornar os mini-BoTs elegíveis para o pagamento da dívida fiscal. Assim, as lojas e as pessoas teriam motivo para os aceitar como meio de pagamento - com um certo (mas não muito grande) desconto em relação ao euro.

Não faço ideia se a UE tem algum instrumento legal efetivo para impedir que a Itália faça alguma destas coisas. Mas, em qualquer caso, controlos de capital ou moedas paralelas tornariam absurdo todo o conceito de uma união monetária.

A principal característica de uma união monetária não é o estatuto legal de uma moeda única, mas a sua função como uma área monetária comum com livre fluxo de pagamentos. Se a zona euro colapsasse, era assim que aconteceria. Ninguém iria dissolvê-la formalmente. Seria uma morte causada por moedas paralelas e controlos de capital.

Se a Itália introduzisse um mini-BoT, não é difícil ver como, num futuro distante, um tal cenário poderia eventualmente dar origem a uma saída formal da zona euro. Quando a economia se ajustasse à segunda moeda, seria mais fácil fazer a troca.

Não há dúvida de que o comportamento da Itália não está em sintonia com a forma como um membro de uma união monetária deve agir. Mas, pelo seu lado, os persistentes excedentes em conta corrente da Alemanha também são uma violação das regras da UE - especificamente, a exigência de manter um amplo grau de equilíbrio macroeconómico. E a França tem violado as metas orçamentais da UE desde há muitos anos. A disfuncionalidade da zona euro tem muitas origens. Seria injusto culpar a Itália por tudo.

O aumento dos spreads italianos é uma evidência de que a crise da zona euro nunca terminou, apenas ficou adormecida por uns tempos.

© The Financial Times Limited 2018.

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