A irresponsabilidade das PME
O PCP detesta as grandes empresas, despreza as multinacionais, chama-lhes devoradoras e oportunistas, embora isso na verdade seja um pouco bizarro. São raras as grandes companhias internacionais presentes em Portugal que escolhem pagar o salário mínimo. Pagam quase sempre acima, muitas definem os mil euros brutos como patamar mínimo aceitável. E fazem muito bem. São também elas que mais proteção social oferecem no dia-a-dia; e também são as que melhor formação dão aos seus trabalhadores, procurando incentivar as pessoas para o esforço individual e para os objetivos comuns da empresa, mobilizando as equipas para a necessidade de trabalhar melhor e assim talvez ganhar um pouco mais.
Quando os negócios dão para o torto, e muitas vezes dão mesmo, até para razões externas ao país, são também as multinacionais as que pagam melhores indemnizações e com menos chatices judiciais pelo meio. Não arrastam tanto os pés, pagam e avançam com menos barulho e menor desgaste emocional para todos. São também elas as que mais se sujeitam aos sindicatos e as que mais negoceiam - horários, bolsas de horas, escalas, prémios -, mantendo contactos e negociações frequentes de modo a proteger-se das greves e baixas de produtividade que estragam o negócio em momentos de maior procura.
Apesar de a realidade ser esta, a retórica do PCP faz de conta que não. Sugere sempre nas entrelinhas que os malvados capitalistas internacionais querem sugar os portugueses através de salários de miséria e condições de trabalho deploráveis. Eu sei, todos sabemos, a política partidária tem destas coisas: os factos são uma maçada e o capitalista internacional é, por definição, um explorador das massas. Mas se olharmos com atenção para todos os pontos que referi nas linhas anteriores, se olharmos para as notícias que saem, se estivermos minimamente atentos ao que nos rodeia, constatamos que são as pequenas e médias empresas, as famosas e maravilhosas PME, que mais quebram a lei, que pior pagam, que mais conflitos laborais provocam, que mais vezes desrespeitam os contratos sem qualquer rebuço. Há exceções, claro, mas a tendência é esta: é mais seguro trabalhar para uma grande empresa do que para uma PME nacional ou uma nanoempresa de vão de escada que nasce cheia de boas intenções e rapidamente azeda.
Há dias uma amiga minha, com contrato a prazo, contou alegremente ao patrão que estava grávida. Dias depois ela estava na rua, apesar de todos os elogios anteriores que ele lhe tinha feito. De empregada modelo passou a modelo de irresponsabilidade porque escolheu ter um filho aos trinta e poucos anos. Engravidar é crime para uma parte do nosso empresariado PME fura-vidas.
E no entanto, segundo a fábula dominante, os grandes culpados disto tudo que nos tem acontecido nos últimos anos, todas as agruras e apertos, são as multinacionais e o capital internacional desenfreado, rebarbativo. Bem sei que a financeirização da economia é um problema - o dinheiro segue para atividades especulativas, mais rentáveis, foge da indústria. Mas as multinacionais que subsistem - elas estão sob pressão neste mundo protecionista que está a reaparecer - têm ajudado Portugal a melhorar, além de terem trazido investimento e de ajudarem a exportar mão-de-obra qualificada. Quantos portugueses estão hoje no estrangeiro a ganhar bem e a melhorar-se por causa destas oportunidades?
Não se trata de agradecer humildemente, bovinamente, mas apenas de reconhecer este contributo essencial para nos melhorarmos. Em vez disto, a extrema-esquerda nega esta evidência e valoriza as PME como se fossem uma extraordinária dádiva económica. Seria bom que assim fosse, que tivéssemos o que têm os italianos, boas empresas de tamanho médio capazes de competir internacionalmente não apenas pelos salários efetivamente de miséria. Mas a realidade ainda não é essa, talvez lá cheguemos, mas estamos ainda muito longe.
É por isso que a decisão que o governo tomou para compensar a justa subida do salário mínimo - a redução do pagamento especial por conta -, embora útil e eficaz, me deixa essa pequena azia que não me larga. As PME, as boas, as más e as péssimas, todas elas vão beneficiar da baixa do PEC, enquanto as outras, as multinacionais e as maiores, como não pagam salários mínimos, como têm essa decência, ficam a ver navios. Talvez não houvesse outra solução, mas é por isso que a redução do IRC seria sempre socialmente mais justa - redução que os partidos de esquerda recusam incrivelmente discutir.
P.S. - Dito isto, não me esqueço do outro lado da questão: a fuga legal ao fisco (chamam-lhe otimização fiscal...) que tantas destas grandes empresas praticam. Fica para uma próxima coluna.