Na semana da 78.ª Assembleia Geral das Nações Unidas, confirmou-se uma tendência que se vem acentuando: a da utilidade decrescente do papel da ONU, enquanto espaço efetivo e consequente do concerto das nações. É louvável o esforço de António Guterres, mas fica sempre a sensação de que nas matérias mais críticas - guerra, alterações climáticas e refugiados - o secretário-geral está a pregar aos peixes, um pouco como acontece com o Papa. Em Nova Iorque, os encontros bilaterais entre chefes de Estado valem sempre mais do que o diálogo no contexto dos órgãos das NU. Em particular, o Conselho de Segurança transformou-se num espaço de decisão bloqueado, no que se refere a matérias que realmente afetam e ameaçam o mundo..O desenho do Conselho de Segurança nasceu no rescaldo da Segunda Guerra Mundial. Os representantes dos vencedores chamaram a si os lugares de membros permanentes, constituindo o núcleo duro que passou a mandar no mundo em termos de segurança. A estes - Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França - juntam-se dez membros não-permanentes, que são escolhidos mediante candidaturas regionais para mandatos de dois anos. Portugal, que até ao 25 de abril permaneceu fechado e amarrado a um colonialismo requentado, acabou por reassumir a sua vocação global e diplomática, ao ser eleito membro não-permanente em 1979, posição que repetiria por mais duas ocasiões. No presente, Portugal é de novo candidato para o mandato de 2027-28, sendo que a decisão será tomada em 2026..O problema desta composição é que já não reflete o panorama geoestratégico global. O mundo é hoje bem diverso do de 1945, não só na sua diversidade e extensão, mas também no que respeita às próprias potências que protagonizaram a vitória na segunda grande guerra. Os perdedores de então - Alemanha e Japão - são agora parceiros respeitados e respeitadoras no direito internacional e não faz sentido mantê-los à margem das grandes decisões. Por outro lado, há grandes blocos que estão fora do clube permanente, como é o caso da América do Sul, de África e da Índia, a qual, entretanto, se tornou no país mais populoso do mundo..Assim, um primeiro passo, muito óbvio, para que o conselho de zeladores da paz mundial readquira a sua utilidade é o alargamento da componente permanente, incluindo a Índia, o Brasil, a Alemanha, o Japão e um país africano..Um segundo problema, de igual importância, é o do poder de veto de que beneficiam os membros permanentes do Conselho, impondo uma regra de unanimidade que se revela pouco útil. Percebe-se que assim tenha sido no pós-guerra imediato, de forma inibir tentações hegemónicas. A verdade é que esta se tornou na ferramenta usada para neutralizar a ação da ONU em matéria de segurança, conduzindo-a a um quadro de inutilidade efetiva. Não se pense, contudo, que o veto é um pecado apenas da Rússia, por ter invadido a Ucrânia. Outros membros o utilizaram, nomeadamente os Estados Unidos no contexto do conflito do Médio Oriente, tomando invariavelmente o partido por Israel..A forma de tornar os sistemas de segurança mais robustos é a adoção de mecanismos de redundância. No caso do veto do Conselho de Segurança, o princípio do duplo fusível, requerendo dois países para bloquear uma decisão, seria um avanço significativo, abrindo espaço para um papel mais útil e efetivo das Nações Unidas.. Professor catedrático