A internacionalização de Humberto Delgado
O filme sobre a figura de Humberto Delgado, em preparação e baseado na biografia do general, "é a concretização de um sonho" para o neto e autor daquele documento histórico.
Frederico Delgado Rosa, 41 anos, passou "sete anos" (2001-2008) literalmente mergulhado em "milhares e milhares de documentos", quase sem tempo para outra coisa que não preparar e escrever Humberto Delgado, Biografia do General sem Medo.
"Cresci no respeito pela figura do meu avô e com o peso nos ombros de ser neto" de Humberto Delgado, recorda Frederico Delgado Rosa ao DN Gente, a propósito do general que não derrubou a ditadura salazarista nas eleições de 1958 por viciação dos resultados e que, já exilado, foi morto pela PIDE a 13 de Fevereiro de 1965 junto a Villanueva del Fresno (Espanha).
"Sempre me mantive um pouco alheado das cerimónias de homenagem, pelo peso que sentia... envolver-me emocionalmente era muito forte", explica o especialista em história da antropologia. Mas "em 2001, fez--se um clique, achei que já tinha a maturidade, o sentido de responsabilidade e, mais importante, a convicção de que era capaz de escrever a vida do meu avô - e que tinha o dever de o fazer", enfatiza Frederico Delgado Rosa.
Pouco depois do lançamento daquela obra de referência sobre Humberto Delgado, numa cerimónia solene no Parlamento, o autor recebeu um telefonema do realizador Bruno de Almeida, a dizer-lhe que queria fazer um filme a partir do livro e se "concorda[va] em fazer o argumento" em conjunto.
Dois anos depois, "o filme está a entrar agora em filmagem" (ver caixa). "É a concretização de um sonho ver a figura do meu avô levada para o cinema", declara Frederico Rosa, erguendo levemente a cabeça e com os olhos a brilhar de orgulho. "Um filme tem mais impacto e alcança um público maior, vai entrar em festivais de cinema... é uma nova etapa da internacionalização da figura de Humberto Delgado, como outras personagens até então desconhecidas" e que foram recuperadas "pelos filmes" - a exemplo do checo Oscar Schindler, interpretado pelo irlandês Liam Neeson, lembra o académico.
Vice-presidente da Fundação Humberto Delgado, liderada há anos por Iva Delgado, Frederico rejeita a sugestão de lhe estar a suceder. "A mãe é insubstituível, é a filha do general sem medo, foi a grande responsável por nunca ter desaparecido a memória" do general (promovido postumamente a marechal da Força Aérea). Reconhece apenas que "de[u] um passo mais longe (...) ao repor a verdade sobre a morte" do avô.
O relato dos momentos que envolvem a descoberta dos factos que punham em causa a versão oficial da morte do general é feito ainda com intensidade: "Quando manuseei o relato da autópsia e outras perícias médico-legais, os documentos queimavam... foram 25 anos de mentiras e contradições" de que não tinha consciência (nem a própria Iva Delgado, a quem questionou).
Como "os documentos não reconstituem o local do crime" nem contêm "essa imagem quase fílmica dos acontecimentos", Frederico Delgado Rosa só os conseguiu visualizar "numa noite de insónia" e durante o "processo de reflexão profunda sobre o que tinha acontecido". Foi "como nos filmes... passei a noite a vomitar [com] a conclusão horrorosa e brutal" de que, afinal, o General Sem Medo tinha morrido numa luta corpo a corpo e depois de atingido várias vezes com um objecto contundente - não vítima de "uma reacção impulsiva, precipitada e individual" do pide que, oficialmente, disparara um tiro.