A Inteligência Artificial e o risco de uma grande confrontação
Xi Jinping mandou executar, durante três dias, um impressionante conjunto de exercícios militares à volta de Taiwan, no seguimento e em reação ao encontro na Califórnia entre a dirigente da ilha e o líder da Câmara dos Representantes dos EUA. Os meios mobilizados por Beijing, sobretudo no ar e no mar, com tiros de fogo real, davam a impressão de que se destinavam a invadir e a dominar de uma vez por todas Taiwan. A liderança em Beijing tinha deixado claro que o objetivo não era esse, mas sim mostrar desagrado e capacidade militar. Algo parecido com o dito pelos russos, antes de 24 de fevereiro do ano passado, que acabou por se revelar como sendo uma afirmação enganosa e que levou à invasão da Ucrânia.
Desta vez, dominava, do lado ocidental, a convicção de que apesar da envergadura do exercício, não se tratava de preparar um desembarque na ilha em questão. É que há mais confiança na palavra de Beijing que nos porta-vozes do Kremlin.
O meu ponto, contudo, é outro. Imaginemos que todas as informações disponíveis sobre os contornos e o gigantismo do exercício, sobre o contexto político prevalecente na região e as declarações proferidas por Xi Jinping no XX Congresso do Partido Comunista da China em outubro de 2022 e na Assembleia Nacional Popular de março último, tivessem sido introduzidas num sistema de Inteligência Artificial norte-americano. O sistema, controlado ao mais alto nível pelos estrategas militares, estaria automaticamente instruído para trabalhar todos esses dados e responder a uma pergunta: esta operação tem como objetivo atacar e recuperar Taiwan pela força, sim ou não?
O programa de Inteligência Artificial responderia, muito provavelmente, que sim. E até era capaz de lembrar aos estrategas americanos que dias antes o presidente francês havia visitado a China e deixado claro que a Europa não deveria imiscuir-se na questão, mantendo antes uma "autonomia estratégica" face à rivalidade entre Washington e Beijing e ainda, que se trata de "um assunto interno" da China. A afirmação de Emmanuel Macron caiu mal na Europa, mas isso é uma outra questão.
Se a conclusão da análise da Inteligência Artificial fosse afirmativa, a batata quente transitava para as mãos do presidente norte-americano. Seria um caso muito sério. Estaria, de um lado, confrontado com uma posição que teria cruzado milhões de variáveis e analisado um sem número de cenários por meios digitais. Do lado oposto, uma outra, previsível, vinda dos seus principais conselheiros políticos e militares, a insistir na natureza intimidatória, mas não de ameaça iminente, do exercício. Esta seria a posição correta, neste momento, embora resultasse apenas de meia dúzia de reflexões e do bom senso de quem tem muita experiência. Reconheceria, quando muito, que havia um risco de um incidente inesperado, que pudesse levar a uma confrontação limitada, mas nada mais do que isso.
Este cenário tem todas as hipóteses de acontecer de facto, em dado momento, nos próximos anos. Tanto Washington como Beijing estão a investir de modo acelerado e com grandes recursos na Inteligência Artificial, dando prioridade às questões de defesa, de recolha de informações sensíveis, de previsão e de antecipação, bem como de combate e de ataques táticos. A guerra de amanhã será baseada em modelos de confrontação criados por computadores e na performance de toda a sorte de robots.
Hoje, testes levados a cabo nos EUA já mostram que um piloto de combate robotizado - guiado por meios de IA- derrota invariavelmente os melhores pilotos humanos. Mais ainda, os pilotos robots já conseguem reajustar autonomamente a sua programação de combate durante a luta, de modo a saírem vencedores. Ou seja, vão além do que os engenheiros previram, combinando em milésimos de segundo dados que alteram o curso da sua ação e lhes permitem ganhar. A capacidade de autonomização, de ultrapassagem da programação humana, só irá acelerar. A criatividade artificial ultrapassará a humana. É um risco que deve ser tido em conta e objeto de reflexão e de decisão ético-política.
Os líderes políticos, que terão em última instância de tomar a decisão mais crítica - atacar, sim ou não? - estarão nessa altura muito mais inclinados para seguir as recomendações vindas dos sistemas digitais. E o país mais avançado em matéria de microprocessamento de dados e de automatização inteligente sairá vencedor. Estamos a caminhar rapidamente para um futuro assim.
Conselheiro em segurança internacional.
Ex-secretário-geral-adjunto da ONU