Eric Frattini: "A indiferença é mais perigosa do que a extrema-direita ou a extrema-esquerda"

Entrevista ao jornalista e escritor Eric Frattini (com dupla nacionalidade peruana e espanhola), autor do livro <em>A Fuga dos </em><em>Nazis</em>.
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A dias de partir com cinco mulheres sobreviventes de cancro para uma expedição ao Annapurna, nos Himalaias, o jornalista e autor de 30 livros Eric Frattini esteve em Lisboa a apresentar A Fuga dos Nazis (Bertrand Editora). Um livro no qual dá rosto e nome a alguns dos principais criminosos do III Reich, revelando o que lhes aconteceu após a II Guerra Mundial. Numa entrevista ao DN, deixa ainda alertas para o presente.

No seu último livro, A Fuga dos Nazis, regressa ao tema do nazismo. Porquê?

Se entrar na Amazon e pesquisar "solução final" ou "Holocausto" vê que há milhares de livros sobre o tema. E parece que a II Guerra Mundial terminou em maio de 1945, que não houve mais nada. Há muito pouca informação sobre o que se passou com os criminosos de guerra, o que lhes aconteceu. Seja nos EUA, no Reino Unido, em França. O que decidi fazer foi, em primeiro lugar, contar uma parte da II Guerra Mundial que não se tinha contada muitas vezes e, em segundo, dar cara e nomes aos que fizeram parte dessa maquinaria de assassinatos do Terceiro Reich.

Mas acha que as pessoas estão a esquecer o que aconteceu? Será a ascensão da extrema-direita e dos populismos no mundo sinal de que estão a esquecer a história?

Acho que ninguém esquece. Se há pessoas que estão a esquecer são os mais jovens, não é a minha geração. Por isso, em parte, o livro está dedicado ao meu filho Hugo, que tem 21 anos. O que escrevo é que ele e a sua geração são os responsáveis por que isto não volte a acontecer. Porque nós já estamos velhos para continuar a lutar e são eles, os que têm 20 anos, que vão ser os políticos do futuro. São os que têm de evitar que isto volte a acontecer. Este livro tem retratos de gente normal. Hermine Braun Steiner, que se dedicava a matar crianças às patadas, a única mulher no livro, queria ser enfermeira antes da guerra. Eram funcionários, polícias, enfermeiras mas, como disse Simon Wiesenthal, punham um uniforme negro das SS e convertiam-se em monstros.

Na introdução escreve que "neste mundo interligado, devemos manter-nos vigilantes para dar o alarme quando pensarmos que algo parecido pode voltar a acontecer". A que sinais devemos estar atentos?

Evitar os populismos, da extrema-direita, mas também da extrema-esquerda. Porque não podemos esquecer que os populismos de extrema-esquerda provocaram também o populismo de extrema-direita na Alemanha dos anos 1930. Ou que os populismos do ano 1936, da extrema-esquerda, provocaram o golpe de Estado da extrema-direita e a Guerra Civil espanhola com um milhão de mortos. Temos de estar atentos a esse tipo de sinais. Eu tenho 55 anos e sou um descrente de tudo. Mas acredito nas Constituições e no seu poder. São os poderes constitucionais que permitem parar esses populistas, porque há uma ordem constitucional que não se pode violar.

Quem cometia os crimes eram pessoas normais, mas havia também muita gente que sabia o que acontecia e não fez nada...

Os indiferentes.

E agora, estamos a ser indiferentes a algo?

Acho que os jovens, pelo menos em Espanha, não sei em Portugal, são mais combativos. Tanto de esquerda como de direita. Há muita discussão política entre os jovens. A indiferença é muito mais perigosa do que a extrema-direita ou a extrema-esquerda. Eu gosto que um miúdo de 20 anos me diga eu sou de extrema-esquerda e outro me diga que é de extrema-direita. Para mim é genial. O que me preocupa é o que diz que é indiferente, que aquilo não tem nada que ver com ele. Bom, não é até que alguém bata à porta e diga que estás detido e te leve. A minha introdução termina com aquela ideia de Martin Niemöller: primeiro vieram pelos comunistas, mas eu não era comunista; depois pelos judeus, mas eu não era judeu. No final, quando vieram por mim, já não havia ninguém para protestar por mim. É um grande exemplo.

No livro conta como muitos criminosos nazis escaparam com o apoio da Igreja. Eram ações individuais ou envolviam a instituição?

Foi uma organização criada para tal pela Igreja Católica, não foi um caso pontual. Publico um documento da CIC, a Divisão de Contrainteligência do Exército dos EUA, no qual dizem que estão cansados de ver como o monsenhor [Giovanni Battista] Montini não parava de ajudar criminosos de guerra nazis a fugir. Montini, o homem mais forte no Vaticano depois do papa Pio XII, é o futuro Paulo VI. Dirigiu toda uma organização para ajudar a escapar criminosos de guerra. Não foram casos pontuais de alguém que era simpatizante do nazismo. Houve uma organização. Entravam por Milão, via Áustria, daí iam para Roma, onde eram protegidos em organizações católicas, controladas com a bandeira do Vaticano, portanto os aliados não tinham jurisdição. Quando conseguiam os documentos falsos enviavam-nos para Génova, de onde embarcavam para a Argentina.

Porquê a Argentina?

Por Juan Domingo Perón. Estava encantado por ter todos os nazis no seu regaço, por isso aceitou todos. Só quando a pressão internacional lhe provoca problemas é que ele fecha as fronteiras. É nesse momento que parte desses criminosos que estavam a fugir, como Alois Brunner, que era o braço direito de Adolf Eichmann, foge para a Síria. Mas quando Perón volta a abrir as portas, muitos deles, seguem para a Argentina.

Havia várias rotas de fuga. Uma passava por Portugal. Era só ponto de passagem?

Sim, como Espanha. Era a rota da aranha. Portugal era normal, porque era um país neutral, que não punha grandes problemas aos nazis que passavam e seguiam. Espanha já estava na ditadura de Franco e ele sim, protegeu-os. Ficaram, calcula-se, cerca de 900. Mas ninguém importante. Esses foram para os EUA, como Klaus Barbie, o carniceiro de Lyon, que foi apoiado pela CIA. Creio que foi o presidente Ronald Reagan que anos depois pediu perdão oficialmente ao governo de França por o ter protegido.

Ainda esta semana começou o julgamento de um ex-guarda de campo de concentração, um polaco de 94 anos. Como é possível que se tenha esperado tanto tempo para que fosse julgado?

Em primeiro lugar, a Guerra Fria. A Alemanha era um país derrotado e politicamente já não interessava. E depois porque tinham medo de Estaline e do comunismo. Então pensaram, porque estamos tão preocupados a levar todas estas pessoas à justiça? Dou um número da Comissão de Crimes de Guerra Nazis na Alemanha, do Instituto de Munique: 3,8 milhões de alemães fizeram parte do aparato de segurança do Terceiro Reich. Desses, só três mil acabaram numa lista de criminosos de guerra. Desses três mil, só 1175 foram julgados como assassinos. São 1175 de quase quatro milhões. Muito pouco se falamos no número de vítimas: seis milhões de judeus, mas também se mataram ciganos, testemunhas de Jeová, católicos, protestantes, luteranos, militares polacos, soviéticos... Agora, de tempos a tempos, vão aparecendo uns para ser julgados, mas cada vez menos. São velhos. Vamos condená-los a quê? Prisão perpétua?

Viveram toda a vida em liberdade...

Sim, sem nenhum problema. O próprio Josef Mengele, que viveu placidamente e sem problemas no Brasil. Agora até se acredita que continuou a fazer experiências. Porque há um povoado ao lado de onde viveu que é o maior centro de gémeos de todo o Brasil. Coincidência? A especialidade de Mengele eram os gémeos...

E já está a preparar o seu próximo livro?

Não creio que haja um próximo livro. Mudei a minha vida em 2015, depois da morte do meu amigo [o escritor português] Luis Miguel Rocha e dediquei-me a mulheres sobreviventes de cancro. Levo-as numa grande expedição todos os anos. Em 2015, por exemplo, peguei em cinco e subi o Kilimanjaro. No dia 13 vou para o Annapurna com mais cinco: concorreram 246 neste ano. Parece-me muito mais divertido do que escrever livros. Tenho contrato com a Planeta para mais dois, mas não sei quando vou escrevê-los, porque não tenho tempo. São as pessoas que compram os meus livros e sinto que esta é uma boa forma de devolver o dinheiro que me deram a ganhar.

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