SEF e o acompanhamento dos detidos nos Centros de Instalação Temporária

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A morte de Ihor Homenyuk despoletou, nove meses depois, uma onda de indignação. As alegadas condições em que esta morte ocorreu, e também os resultados de investigações de alguns jornalistas, permitem chegar-se à infeliz conclusão de que os centros de instalação temporária, em particular o centro de instalação temporária do aeroporto de Lisboa, podem ser potenciais incubadoras de violações de direitos humanos.

E isto não só pelas condições em que estas pessoas são detidas, ou como são tratadas, mas também pela falta de acesso atempado a um advogado.

Este direito humano fundamental vem consagrado tanto na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, como na nossa Constituição e também na Lei de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional, que prevê que ao cidadão estrangeiro a quem tenha sido recusada a entrada em território nacional é garantido, em tempo útil, o acesso à assistência jurídica por advogado.

Esta previsão legal não tem, na prática, a efectivação ambicionada. Mas é urgente que tenha. Pois o advogado é o agente essencial da protecção contra abusos de poder pelas autoridades - seja na maneira como possam ser conduzidas as inquirições, seja contra ofensas aos direitos à integridade física e, no limite, do direito à vida (sendo aberrante, mas infelizmente real, que estas últimas ofensas possam acontecer no confronto com a autoridade).

O Estado de Direito faz-se não só de um Estado que garanta a protecção dos cidadãos portugueses, como da pessoa humana, conceito no qual se incluem todas as pessoas que chegam ao aeroporto de Lisboa, a Portugal, e que, ainda que inadequadamente documentadas, devem ser tratadas com a dignidade que merecem, não fosse o art. 1.º da Constituição consagrar que Portugal é uma República baseada na dignidade da pessoa humana.

É um choque quando se observa que, num Estado de Direito Democrático, pode ter-se dado um perverso e malévolo extravasamento e abuso de funções, sendo os organismos do Estado acusados de actuar já não em defesa do mesmo, mas tão-somente contra a pessoa humana, chegando a arrogar-se, pelo menos por intermédio de alguns seus agentes a coberto da inércia e do desinteresse, no direito de torturar e retirar a própria vida.

A forma mais eficaz de permitir que se voltem a verificar estas situações é garantir que o direito de assistência por advogado é observado, e que quem chega é logo aconselhado e acompanhado, quando da primeira tomada de declarações perante os inspectores do SEF, determinante para o desenrolar e desfecho do processo.

Só assim não estão os estrangeiros que entram desprotegidos e à mercê de uma brutalidade que não vê fronteiras, e de um tratamento humilhante - como o que será o de se ver forçado a pressionar um botão de pânico, ou o de saber que se vai para uma sala sozinho com um inspector, mas onde está um botão de pânico, qual pretenso garante electrónico do respeito pelos direitos fundamentais.

Esta protecção de botão é manifestamente insuficiente. Em particular quanto aos potenciais requerentes de asilo, a falta de informação disponível e a falta de pessoal devidamente sensibilizado e formado para esta realidade elimina muitas vezes à partida situações de asilo, que são identificadas como de imigração ilegal, sendo os cidadãos estrangeiros assim tratados até que, por fim, sejam expulsos.

Nada substitui o advogado, essencial para prevenir os abusos das autoridades sobre as pessoas, que merecem o tratamento adequado e digno independentemente da infracção que cometem. E uma defesa condigna, em todos os momentos, inclusivamente e principalmente nos momentos em que são detidas no aeroporto e prestam declarações perante os inspectores do SEF.

Deverá ser permitido que, previamente aos interrogatórios a que são sujeitos pelo SEF, os cidadãos estrangeiros conferenciem isoladamente com os advogados, que nos postos de fronteiras aeroportuários se encontrem de escala ou que sejam chamados para a diligência.

Em correspondência a esta necessidade, foi assinado um protocolo de cooperação para assistência jurídica ao cidadão estrangeiro entre o Ministério da Administração Interna, o Ministério da Justiça, e a Ordem dos Advogados, que visa garantir a assistência jurídica do Estado a cidadãos estrangeiros cuja entrada em território nacional tenha sido recusada nos aeroportos de Portugal.

É essencial que o determinado neste Protocolo comece a operar sem demora, bem como que seja dada aos advogados que se inscrevam a necessária formação para a regulamentação aplicável naquele contexto, que implica uma actuação urgente, não existindo tempo para preparação entre o momento em que são chamados a intervir e aquele em que têm de fazer a sua intervenção.

A preocupação em densificar as previsões legislativas permitindo um acesso efectivo a advogado vinha já sendo reivindicada desde 2004 pela Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, através de várias iniciativas, nomeadamente no âmbito do seu plano de actividades no qual se defendeu que se deveria:

5. Promover o alargamento das escalas do Tribunal de Instrução Criminal e do Tribunal de Pequena Instância Criminal aos aeroportos e aos postos de atendimento do SEF pois aí:

- fazem-se autos diariamente

- procedem-se a detenções

- e a execuções de mandados de captura emitidos pelos Tribunais e Autoridades Policiais

bem como no contexto do parecer elaborado pelo Dr. Rui Elói Ferreira, Advogado, em 7 de Dezembro de 2007 do Gabinete de Estudos da Ordem dos Advogados relativo ao anteprojecto de proposta de Lei de Asilo:

Cremos, assim, que há que dar ao advogado um papel mais activo no apoio a estes cidadãos, permitindo-se que, previamente aos interrogatórios a que são sujeitos pelo SEF, estes conferenciem isoladamente com os advogados, que nos postos de fronteiras aeroportuários se encontrem de escala.

Ou seja, o problema não se encontra tanto na legislação ou na falta dela, não é culpa do legislador, mas sim da incapacidade de colocar em prática as soluções já plasmadas na lei, e mostrar ao cidadão perseguido que pode confiar no sistema.

Por isso muito se fala da questão do apoio, o qual para ser devidamente adequado terá que passar pela especialização, pelo respeito pelas opções das vítimas, pela formação prévia dos funcionários e pela sensibilização dos funcionários envolvidos na protecção e apoio às vítimas (polícias, magistrados, advogados, médicos, intérpretes, assistentes sociais, etc.).

O facto de um primeiro contacto com a autoridade poder ser realizado num contexto de desequilíbrio de posições, vindo a perceber-se que inexiste uma formação para os direitos humanos e para o respeito da pessoa humana das forças policiais de fronteira que seja eficaz na prática, constitui uma omissão perigosa, e que ficou demonstrado que põe em perigo a vida dos que são sujeitos ao mesmo. É essencial reforçar o papel do advogado no aconselhamento dos detidos nos centros de instalação temporária, e que estes possam exercer a sua função de garante do respeito dos direitos humanos de quem, ainda que não seja cidadão português, é sempre pessoa humana.

Advogada na Carlos Pinto de Abreu e Associados

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