A importância das coisas invisíveis (I)
"O essencial é invisível aos olhos"
(A. Saint Exupéry,
O Principezinho)
Um hotel é verdadeiramente um símbolo de civilidade, tão ou mais importante que muitos outros. Responde à satisfação de uma necessidade absoluta, particularmente crítica em lugares remotos e desconhecidos, estando associado à experiência positiva ou negativa de viajar, seja em lazer ou em trabalho, só ou acompanhado.
Há sensações que nos dão um bem-estar e um prazer simples, mas absolutamente perfeito. Sempre que entro num quarto de hotel e me deito numa cama enorme, com almofadas de vários tamanhos e feitios, lençóis imaculados de limpeza e brancura, de suavidade de seda, aroma subtil e perfeito, esticados ao limite, tenho essa sensação de bem-estar, acompanhada de segurança e serenidade.
Mais do que apenas uma cama onde se repousa ao fim de um dia de trabalho ou de passeio, tenho para mim que uma cama de hotel é decisiva para o sucesso do negócio, mais ainda quando se sobe na categoria do hotel e, naturalmente, no grau de exigência dos clientes.
Por detrás desta experiência sensorial, há muito trabalho de bastidores: opções, organização, disciplina, mãos humanas, maquinaria, equipamentos, manutenção e controlo.
Desde logo, como é escolhido o enxoval de um hotel? Os lençóis devem responder primeiro à necessidade de resistência ou ao conforto? E assim devem ser privilegiadas as fibras naturais, artificiais ou um misto, e em que percentagem? E quando devem ser substituídos? Quais os produtos de lavagem e os químicos associados, entre as necessidades ambientais, as alergias, a durabilidade, o dispêndio de energia e água e a eficiência para assegurar irrepreensível brancura e higiene? Com que essência devem ser aspergidos? Quem os passa a ferro, dobra, armazena, verifica, distribui?
E em certos hotéis, numa lavandaria acontece mais: o cuidado, limpeza e lavagem das roupas dos hóspedes, onde muito mais personalizado tem de ser o serviço. Começando pela "conferência", isto é verificar em que estado são entregues as roupas na lavandaria do hotel, se têm e quais danos, se há botões em falta, ou esticadores na camisa. E depois assegurar a sua distribuição sem falhas, no tempo previsto e ao hóspede certo. E lateralmente, ainda a costura ou serviços de engraxamento.
Trata-se do cuidado que mãos invisíveis nos prestam, coordenado por pessoas a quem hoje presto publica homenagem: as governantas - ou governantes - de hotel, também chamadas governantas-gerais e governantas de andares. Sobre elas, ou eles, recaem funções e responsabilidades de governança, tão ou mais sofisticadas e exigentes quanto o hotel é mais sofisticado e se quer diferenciar. Na base, elaborar e gerir orçamentos e custos; a coordenação de limpeza dos quartos e zonas comuns; o arranjo e decoração; a manutenção de equipamentos; a articulação com os serviços de reservas e receção os horários de check-in e check-out; liderar e formar equipas; cuidar dos perdidos e achados e... atender reclamações e pedidos, às vezes bizarros, dos clientes. Aliam qualidades de liderança, sólidos conhecimentos técnicos, atenção às pequenas coisas, e, sobretudo, o gosto na arte de bem servir os outros.
Pensando bem, destas pessoas depende quase tudo num hotel, desde o seu prestígio, à satisfação do hóspede, passando pela tranquilidade das outras equipas operacionais. E são o toque humano insubstituível, em qualquer era, mais ou menos digital, e em qualquer lugar.
Sou fã.
VP-executiva da AHP - Associação da Hotelaria de Portugal