"A importância da carne saudável"
A proteína animal é essencial para todos os animais omnívoros - humanos incluídos. É parte integrante da Natureza e está intrinsecamente associada à História da evolução do Homem. Numa conversa dirigida por Paulo Caetano, um dos coordenadores da Ciência com Impacto, o investigador Alfredo Teixeira, do CIMO - Centro de Investigação da Montanha, defende que o seu consumo continuará a ser decisivo no nosso futuro - se quisermos ter uma Humanidade sem carências alimentares e saudável. Daí que a forma como esse alimento é produzido seja uma das suas principais prioridades.
Acha que faz sentido diminuir o consumo de proteína animal ou a nossa preocupação deve estar no modo de produção?
Convém percebermos que, a nível mundial, a maioria da carne de pequenos ruminantes, como os ovinos e os caprinos, e até os bovinos, são produzidos em regime extensivo. A intensificação de produção de carne deu-se, basicamente, em duas espécies monogástricas, que são o frango e o suíno. Mas não podemos esquecer que foi a intensificação dessa produção que veio colmatar a falta de proteína animal, que acontecia no mundo após a 2º Guerra Mundial. Ainda hoje, tudo depende da perspetiva em que nos situamos. Debaixo do conforto do hemisfério norte é fácil criticar a produção mais intensiva, mas quem habita no lado sul do planeta necessita absolutamente de carne e peixe para a sua sobrevivência. A balança de consumo de carne é assustadora e necessita urgentemente de ser equilibrada: em alguns países europeus, o consumo de carne por pessoa oscila entre os excessivos 100 e 110 quilos por ano, enquanto nos países pobres da África e da Ásia não ultrapassa os 7 a 10 quilos. Por aqui também se vê que algo tem de mudar: haverá gente que está a consumir proteína animal em excesso, mas existe uma imensa quantidade de pessoas que estão com deficit no consumo desta proteína.
Estamos em pleno Parque Natural de Montesinho. Pegando no exemplo do que aqui se faz, pergunto-lhe se não deveríamos privilegiar a pecuária extensiva, quer pela qualidade do produto final, quer pela diminuta pegada ecológica...
Tudo tem lugar. As produções diferenciadas têm consumidores que estão dispostos a pagar mais por esse produto. Mas também temos de produzir outros produtos de carne para o consumidor global. E convém desmistificar algumas questões relacionadas com a pegada ambiental dos produtos de carne - que tem sido alvo de ataques de grupos de pressão. É um mito urbano quando nos dizem que uma vaca polui tanto quanto um automóvel. São os técnicos e especialistas em produção animal da FAO (Food and Agriculture Organization) das Nações Unidas que alertaram para a forma simplista como essa questão é propagandeada - particularmente no que se refere às emissões de dióxido de carbono para a atmosfera. Os cálculos foram revistos e publicados. Se as emissões de dióxido de carbono forem medidas nos próprios animais representam apenas 4% das emissões totais, enquanto os automóveis estão nos 14%.
E ao alimentarmos animais herbívoros não estamos a retirar alimento que poderia ser usado no consumo humano?
Isso é outro mito. Convém percebermos que os ruminantes são autênticas máquinas biológicas, aproveitadores de recursos forrageiros que não podem ser aproveitados por mais ninguém. Ou seja, não são competidores diretos com o Homem e, pelo contrário, alimentam-se de restolhos e de outros recursos que seriam descartados como lixo. Têm, aliás, a incrível capacidade de consumir alimentos fibrosos e transformá-los em proteína microbiana.
E não faz sentido privilegiar o consumo local? Em vez de compramos produtos que vêm do outro lado do mundo?
Sem dúvida. O que provocou esse tipo de consumo foi a globalização dos mercados, a facilidade de transporte e a melhoria dos métodos de conservação. Provavelmente, estamos no momento de fazer algum recuo. Os produtos locais, consumidos localmente, não geram uma pegada ecológica tão danosa.
Sei que tem estado ligado a alguns produtos de denominação de origem protegida (DOP), como o cabrito transmontano e o borrego terrincho. Estes trabalhos estão relacionados com as qualidades deste tipo de carne?
Sim. Mas é mais do que isso, porque estão também relacionados com o modo de produção e com a tradição ligada à cadeia de produção. Um produto DOP tem de ter toda a cadeia de produção a decorrer na região que lhe dá o nome. E isso traz um valor acrescentado para as populações, pois estão simultaneamente a preservar a cultura e o saber, além de cuidarem da paisagem e do ambiente. A valorização dos produtos DOP paga, em parte, esse trabalho social das populações locais.
Existem diferenças assinaláveis, que sejam percebidas pelo consumidor, entre a carne de um animal de uma raça autóctone e de um animal cruzado?
Em algumas circunstâncias, podem existir diferenças. Alguns aspetos ligados à qualidade da carne, como o sabor, a suculência e a tenrura, devem-se a uma infiltração de gordura intramuscular. E existem raças, como a barrosã e a cachena, que são mais precoces na deposição desse tipo de gordura. O que significa que essas carnes têm um nível de suculência e de sabor diferenciados em comparação com outras raças.
Falemos um pouco mais dessa gordura intramuscular. Sei que desenvolveu alguns métodos não-invasivos para saber que tipo de gordura vai o animal ter ao longo do seu crescimento...
Eram métodos já usados nos suínos, onde a diferenciação entre tecidos é muito maior. No caso dos ovinos e dos caprinos, principalmente entre os animais jovens, a diferenciação entre camadas de gordura subcutânea e músculos são muito ténues...
Portanto, teve de se afinar...
AT: Teve de se afinar. Graças à nova instrumentação, conseguimos que ultrassons mais débeis pudessem ser usados nessa diferenciação das várias camadas, o que nos permite já fazer estimativas muito rigorosas de composição corporal. No caso dos caprinos somos, aliás, pioneiros na utilização dos ultrassons neste tipo de estimativa. E estamos também a usar técnicas de análise de imagem para fazer a quantificação de gordura infiltrada no músculo.
Num outro estudo analisou a produção extensiva de porcos bísaros com dois sistemas de alimentação: a engorda com concentrados versus a engorda com castanha. As propriedades destas carnes são diferentes?
Sim. Foi interessante porque esse projeto foi realizado em parceria com produtores de porcos bísaros e com a indústria de transformação. Concluímos que a castanha tem um efeito positivo sobre as qualidades sensoriais e físico-químicas da carne, mas só produz esse efeito se for administrada aos suínos na fase terminal de acabamento. Ou seja, não precisamos de os alimentar durante toda a engorda com castanhas, para obtermos um produto final diferenciado e de qualidade.
Coordenador do projeto Ciência com Impacto