A imperatriz da Áustria que trocou o protocolo pela liberdade

Nascida numa família da aristocracia bávara, Sissi tornou-se imperatriz da Áustria aos 16 anos. Mas a sua sede de liberdade foi maior do que qualquer coroa, como nos conta Diana de Cadaval no livro <em>Sissi - A Imperatriz Rebelde</em>.
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Elisabeth de Witteslbach (1837-1898), imperatriz da Áustria e rainha da Hungria por casamento com o Imperador Francisco José, foi um figura tão complexa que a mesma atriz - Romy Schneider - conseguiu representá-la de forma quase antagónica em diferentes filmes: Foi Sissi, doce e inocente como uma imagem de caixa de bombons, numa série de filmes alemães que, nos anos 50, alcançaram enorme sucesso de público, e foi Elizabeth (ou Isabel, em português), bem mais complexa, madura e já assombrada pela tragédia em Ludwig, de Luchino Visconti (1973).

Depois de ter publicado as biografias romanceadas da Rainha Dona Maria Pia, Mafalda e Maria Francisca Isabel de Saboia, todas rainhas de Portugal em épocas diferentes, Diana de Cadaval voltou à escrita, desta feita com um livro sobre esta mulher que alimentou paixões na Europa do século XIX. E é no Funchal, no Hotel Reid"s, onde a imperatriz passa o Natal e o dia do seu 56.º aniversário, que abre o livro Sissi - A Imperatriz Rebelde. Por essa altura, a biografada é já uma mulher desalentada, que vagueia pelo continente europeu como um espetro de dor: "Todos os anos, neste dia 24, me lembro de como fui feliz até ao meu 15.º aniversário, como as festas de Natal nos levavam a um mundo mágico, com a casa engalanada, e em que eu e os meus irmãos acreditávamos em gnomos e fadas. Como não sorrir ao pensar nesse tempo, nessa outra vida que tive, onde o amor, a família e os braços quentes do meu pai e da minha mãe (...) Um mundo onde era livre, onde era eu própria, onde eu era apenas Sissi."

Para Diana de Cadaval, quando convidada pela sua editora (Planeta) a escrever novo romance histórico, não houve hesitações: "O que me fascina nesta personagem é o facto de já tanto se ter escrito sobre ela -- já a vimos no cinema, interpretada pela grande Romy Schneider, e em séries de televisão. Contam-se tantas histórias acerca dos seus caprichos de beleza, dos seus amantes, e os quadros que a retratam são de uma beleza estonteante. Quis tentar descobrir a mulher para além do mito, para além deste conto de fadas." O que foi encontrando ao longo da investigação não deixou de a surpreender: "Isabel era uma mulher muito à frente do seu tempo, uma mulher empoderada, que foi alvo de muitas críticas e preconceitos, amante da natureza, e chega a passar algumas temporadas na nossa ilha da Madeira para se recuperar física e psicologicamente. Era também uma mulher que cuidava do seu corpo e da sua imagem, que se interessava pelos mais pobres e desfavorecidos. Uma mulher que percebeu que os reis e rainhas, imperadores e imperatrizes, não podiam estar fechados num palácio. Que o mundo estava a mudar."

Na vida breve da Imperatriz (foi assassinada aos 60 anos por um anarquista italiano, Luigi Lucheni, que confessou querer matar um membro da realeza europeia, qualquer que ele fosse) houve tempo para o conto de fadas, quando o amor do jovem Imperador da Áustria a escolheu movido pelo amor e não pelos interesses diplomáticos, mas também para o respetivo preço: a perda do direito à privacidade e à liberdade individual. Por isso, quando a 24 de Agosto de 1853 foi anunciado publicamente o casamento imperial, a jovem, então com 16 anos, sente que essa data marca também a sua "morte como Sissi". Para o seu calvário na muito formal corte dos Habsburgos contribuirá uma relação muito tensa com a sogra, Sofia, apesar desta ser sua tia materna, como se lê no livro: "A arquiduquesa colocou a condessa Esterházy a vigiar-me a toda a hora. Todos me vigiam, na verdade. Os olhos estão todos postos em mim e sei que é para me apanharem no primeiro erro. A tia é horrível, é um ser monstruoso que controla todo o palácio. Atrevo-me a dizer que ela é o verdadeiro Imperador da Áustria."

Para Diana de Cadaval, essa consciência de quanto lhe seria retirado foi determinante para alguém que amava a liberdade acima de todas as coisas: "Penso que Isabel percebeu desde muito cedo que a sua vida ia mudar. Já não lhe era permitido correr pelos campos como fazia com os irmãos, rodeada pelos seus cães, pescar, ou sair horas a fio a cavalo. Ela tinha sido escolhida para ser imperatriz, e a sua vida mudou. No livro, penso que se percebe esta perda progressiva da inocência. Há um episódio, por exemplo, em que os baús de Sissi chegam a Viena, antes dela; são abertos e as peças de roupa contadas, e Isabel é alvo de chacota na corte pela pobreza do conteúdo dos seus baús. Percebe de imediato que está longe da liberdade dos seus bosques."

A esta intrusão quotidiana na sua intimidade juntar-se-ão em breve as sucessivas infidelidades do marido (com condessas, atrizes, cantoras) e a pressão para gerar um herdeiro para o Império. Mas será precisamente quando corresponde a essa exigência, dando à luz quatro crianças, que a Imperatriz chegará também a um ponto de rutura, já que os três primeiros filhos (duas raparigas e um rapaz) lhe são sucessivamente retirados para serem educados por terceiros, como mandava o protocolo. Um momento que impressionou particularmente a autora: "Como mãe, tocou-me muito. Quando as filhas de Sissi nascem, são-lhe retiradas para os aposentos perto do quarto da arquiduquesa, sua sogra, que não considerava a Imperatriz capaz de educar as filhas. Esta foi uma situação que lhe causou um enorme sofrimento e que contribuiu para piorar a tensa relação entre nora e sogra e as crises de nervos."

A Isabel restava uma só escolha: Ceder às exigências de auto apagamento ou lutar. Escolheu a segunda, como nos diz Diana: "Sissi foi uma mulher à frente do seu tempo, e apesar de ser uma jovem imatura e rebelde quando conheceu Francisco José, julgo que, aos poucos, com a vida e com os sofrimentos por que passou, se torna uma mulher segura das suas opiniões, atenta, que se cultivou; amante da cultura clássica e dos grandes autores, que viajou e que estava informada politicamente. Percebemos isso na sua viagem a Itália, onde foi recebida de forma gelada, e como escrevo no livro, foi capaz de acalmar Veneza. Para além disso teve papel fundamental na defesa da causa húngara. Era uma mulher que queria intervir e ser ouvida. Uma mulher que percebeu que os tempos estavam a mudar."

Mas Diana de Cadaval não se limita a falar-nos longamente de Sissi, enquadra-a num conjunto de personagens tão fascinantes como ela própria, como um dos irmãos do marido, Maxilimiano, de funesto destino enquanto fugaz Imperador do México: "Maximiliano, meu cunhado, encantou-nos com as paisagens românticas e idílicas de uma ilha no Atlântico. Primeiro , nas cartas que me escrevia, depois nos passeios que demos juntos pelos nossos jardins e no tempo antes dos jantares, onde me entretinha com as suas descrições apaixonadas." Mas também o conde húngaro Gyulia Andrássy, um dos amores da sua vida: "Magnífico no seu uniforme de gala, a casaca vermelha incrustada de ouro e pedras preciosas e aquela pele de tigre sobre os ombros, que lhe davam um ar, simultaneamente, selvagem e cosmopolita. Quando os nossos olhos se cruzaram, juro-te, Maria, o mundo desapareceu, de repente, não estava mais ninguém naquela sala."
Numa época histórica tão rica surgem também personagens bem menos simpáticas como o chanceler prussiano Bismarck, responsável pela unificação da Alemanha, de quem se diz no livro: "Bismarck não podia suportar as mulheres, com a única possível exceção da sua esposa. Principalmente, creio, detesta as rainhas. Quando o vi pela primeira vez, foi excecionalmente arrogante. Estou segura de que teria gostado de dizer: As damas podem recolher-se aos seus aposentos?"

Em 1889, a morte do filho, o príncipe herdeiro Rodolfo, revelar-se-ia um golpe fatal para Sissi: "Eras o mais parecido comigo. Aquele que pensava o mundo, que sofria. Era contigo que eu partilhava a paixão dos animais, quando me visitavas junto às imensas jaulas dos periquitos, catatuas, papagaios. Eras o único que não se incomodava com a presença dos cães na sala de jantar, que sorria com o meu urso bailarino e com o meu macaco (...)." Sissi recusa-se a aceitar a versão oficial de suicídio, que, num pavilhão de caça de Mayerling, teria ocasionado as mortes do príncipe e sua amante, Maria Vetsera, de 17 anos. Diana de Cadaval explicita no livro as duas teorias que ainda hoje envolvem este mistério, decisivo para o futuro do Império Austro-Húngaro e para a própria Europa: "Há a história oficial de que foi um suicídio, um pacto de morte entre dois amantes, depois de lhe ter sido negada a anulação do casamento com a princesa belga Estefânia, a sua mulher. E a história não oficial de que esta morte possa não ter sido um suicídio, mas sim um homicídio por motivos políticos. Este acontecimento iria marcar profundamente a vida de Isabel e os destinos do império."

Por este livro passa ainda a relação especial da Imperatriz com a ilha da Madeira, iniciada ainda na juventude, quando a Coroa já revelara os espinhos ocultos sob os diamantes. Como escreve Agustina Bessa-Luís no romance A Corte do Norte: "Aquela que ainda não tinha o título de mulher mais bela da Europa, vinha já precedida de uma lenda endiabrada. Tinha 23 anos e começava a desesperar a corte com as suas manias, os seus delitos de protocolo e as suas insolências de pequena-burguesa. A nobreza detestava nela o arrivismo sedicioso e o gosto de deslumbrar que se encontrava no frequentador da catedral da indústria. Algo em Elisabeth dispunha à indignação."

Esta lenda de um qualquer excesso (de caráter, de individualismo ou mesmo de cabelo, já que o usava bem longo e volumoso) não chega para ensombrar a real dimensão histórica da Imperatriz da Áustria e Rainha da Hungria. Para Diana de Cadaval, "quase 200 anos depois do seu nascimento, Isabel continua a fascinar-nos a todos e, principalmente, a fazer-nos refletir sobre o lugar e o papel da mulher na sociedade".

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