A identidade como argumento

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As redes sociais e as caixas de comentários são o que são, vieram para ficar, e há muito que escolhi ignorar o que em perfis e caixas de comentários se vai escrevendo, ou sequer algumas das mensagens que vou recebendo e que deixo a meio assim que lhes deteto a intenção.

Isso não apaga o que lá está escrito, não elimina as ofensas ou as mentiras, mas dispensa-me de me sentir ofendido, injustiçado. Mas há quem leia, sobretudo por amizade, e se surpreenda e me relate muito do que é dito, e o muito que é dito tanto vem da esquerda como vem da direita. E há uma pergunta frequente, a propósito da dureza de alguns comentários: achas que isto sucede por causa da tua orientação sexual, que aquilo que provoca estas pessoas e que as leva a estes comentários não é tanto o que dizes mas quem és?

A minha resposta é invariavelmente a mesma, e é sincera: não faço ideia, não consigo entrar na alma das pessoas e saber o que as leva a ofender ou mentir, e salvo casos em que a homofobia é clara, ou até assumida, me parece inapropriado retirar essa conclusão por cada crítica violenta que recebo, mesmo quando a crítica está relacionada com as minhas opiniões em questões de costumes.

Não é que essa homofobia não exista, atenção, e que não exista disseminada, porque existe, e que não deva ser combatida, porque deve. O que não posso é assumir, a propósito de cada crítica violenta ou descabida que recebo (tal como como outros políticos), a propósito de cada manifestação de ódio de que sou alvo (tal como outros políticos), que isso se deve à orientação sexual. Pode dever-se ou não, e não o sabendo, não devolvo a crítica com acusações de homofobia.

Se ao ódio não respondo, às críticas violentas tento, se elas não forem manifestamente ofensivas ou intencionalmente desonestas, responder com opiniões e factos - e daí chegar a uma conversa ou a uma troca consequente de argumentos. E, se não for possível continuar, abandono a conversa, como é meu direito.

Despachar tudo para a acusação de homofobia dispensar-me-ia de responder, de avaliar o que me é dito, de ponderar a razão de quem me critica ou de apurar os argumentos que sustentam a minha posição, colocando-me quase como se estivesse acima da crítica, quase como se não fosse possível (por mais disparatado que isso seja) violentamente discordar de mim, pelo que digo, pelo que defendo, pela minha filiação política.

Não há nesta minha opção de atitude, porque aqui, sim, estamos mesmo a falar de opção, uma espécie de aceitação de ódio ou da discriminação. O que não acredito que deva poder fazer-se é uma acusação grave, de resposta a disparates ou acusações graves, partindo do pressuposto de que apenas sou violentamente criticado por ser quem sou e não pelo que digo. E não é assim que pode combater-se a intolerável discriminação e não é pelo identitarismo que realçamos o básico princípio de que qualquer pessoa, seja quem for, tem a dignidade máxima.

Advogado

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