A idade não os derruba, a paixão fá-los continuar

A barreira dos 40 anos não afastou Nuno Marçal, Quim, Rui Sousa ou Silas da alta competição: apaixonados pelo desporto, sentem-se motivados e não pensam (muito) no adeus
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Anseia-se sempre por mais, enquanto o relógio não para de correr. "Tento aproveitar todos os dias, todas as horas, todos os minutos de jogo. Para mim só faz sentido jogar a alto nível", diz Nuno Marçal, com a mesma firmeza com que encesta mais uma bola, sem espinhas. Aos 41 anos, o atleta do Maia Basket é o porta-estandarte de uma espécie rara mas em franco crescimento, os quarentões que continuam a praticar desporto de alta competição: foi o jogador mais valioso (MVP) da fase regular da liga portuguesa de basquetebol e promete continuar, "enquanto o corpo corresponder".

Já se sabe que "quem corre por gosto não cansa". E eles levam o lema à letra. O amor pelo desporto é o que ainda os faz mover, numa idade em que a maioria dos praticantes já abandonou a alta competição. Di-lo Nuno Marçal, ao DN. E repetem-no os futebolistas Quim e Silas e o ciclista Rui Sousa, outros atletas que vivem a ternura dos 40 a praticarem as suas modalidades ao mais alto nível.

Afinal, porque é que ainda não deixaram a quadra, largaram a bicicleta e penduraram as chuteiras? "A razão óbvia é o prazer que sinto e o amor que tenho pela modalidade", responde Nuno Marçal. "Gosto do que faço. O apoio da equipa e o carinho dos adeptos da modalidade motivam-me a continuar", acrescenta Rui Sousa, ciclista de 40 anos, da Rádio Popular-Boavista.

Para eles, há uma coisa que não mudou com o passar do tempo. "A motivação ao acordar é a mesma de quando tinha 25 anos. Estando bem física e mentalmente, não vejo porque abandonar", acrescenta o guarda-redes Quim, que aos 41 anos defende o Desportivo das Aves, da II Liga. "A paixão pelo jogo e pelo treino é o que me move. Quando entro em campo, esqueço-me de tudo. Gosto de competir, faz-me sentir vivo", remata Silas, médio de 40 anos, do Cova da Piedade, do mesmo escalão.

E nem o facto de estarem longe da ribalta de outrora - Nuno Marçal acumulou títulos pelo FC Porto, Quim e Silas foram internacionais A, Rui Sousa acumulou pódios na Volta a Portugal em bicicleta - os desanima. "Há sempre algo para nos motivar, nem que seja o objetivo de ganhar o próximo jogo. Eu, neste momento tenho o de subir de divisão, para acabar na I liga", diz Quim, que passou largos anos no Sporting de Braga e foi duas vezes campeão nacional pelo Benfica. Já Rui Sousa continua focado na prova-rainha do ciclismo nacional: "Tenho cinco pódios na Volta, 13 vezes no top 10 e já venci as etapas míticas da serra da Estrela e da Senhora da Graça... Só me falta a geral. E custa-me acabar a carreira sem ela. Naturalmente, não tenho a frescura dos 20/25 anos mas continuo a acreditar."

Que receita para a longevidade?

Como este quarteto, há muito mais gente a resistir ao avanço da idade. Miguel Maia (45 anos, voleibol, Sp. Espinho), Vasco Ribeiro (44, andebol, Boa Hora), Paulo Matos (42 anos, hóquei em patins, Valença) e Nino (41 anos, futsal, Burinhosa), eram no início da época, os decanos dos respetivos campeonatos - onde pontificam quarentões ilustres como o espanhol Edo Bosch (41, hóquei em patins, Juventude de Viana) ou o antigo internacional português Israel (40, futsal, FC Azeméis). Esta é, para José Soares, professor de Fisiologia da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, uma evolução natural, tendo em conta "os meios de recuperação, as novas tecnologias de treino, os suplementos, a alimentação mais cuidada e até os marcadores genéticos de tendência para uma determinada lesão", que um atleta pode ter hoje à disposição.

"Não há uma receita" para ter uma carreira longa, como afirma Rui Sousa - e reconhecem os outros quarentões. No entanto, há três razões mais diretamente associadas à longevidade de um atleta: a modalidade que pratica e a posição que ocupa, a ausência de lesões graves, e a sua seriedade no treino e no cuidado do corpo ao longo da carreira, elenca o professor universitário. Com o passar dos anos, os desportistas "não podem estar tão dependentes da potência muscular, pois os músculos vão perdendo fibras rápidas". Só quem conseguir adaptar a forma de jogar a esse processo vai prolongar a carreira. "Por exemplo, no andebol deixam de ser pontas e passam para zona central, no basquetebol lançam mais da linha de três pontos", explica José Soares.

Foi o que se passou com Nuno Marçal e Silas. "Toda a minha carreira foi como jogador exterior, um "3", um extremo. Desde que cheguei ao Maia - esta é a 5.ª época -, sou mais um 4, um extremo/poste", exemplifica o basquetebolista. "Perdi a nível físico mas ganhei outras coisas. Era mais rápido, mais potente, agora penso mais o jogo. Sou muito mais eficaz do que era antigamente", descreve o futebolista, que passou muitos anos na I Liga, com União de Leiria e Belenenses.

Quim e Rui Sousa apontam outros ganhos da experiência. "A partir dos 30 e tal anos foi quando me senti mais guarda-redes. Quantos mais jogos vamos fazendo, mais vamos aprendendo", diz um. "Hoje, noto que sou muito mais maduro a correr. Não me precipito tanto, resguardo-me, espero que passe alguém e vou na roda", conta o outro.

Garantida esta evolução natural, se um atleta "tiver a sorte de geneticamente não ser dos mais suscetíveis a lesões" e mantiver "cuidados no descanso, na alimentação e na seriedade do treino", tem meio caminho andado para uma longa carreira, completa José Soares. "É preciso cuidado com o corpo, pois já não recuperamos da mesma maneira dos esforços. E é igualmente importante ter paixão pelo treino: se não treinarmos mais do que os mais jovens, não conseguimos competir com eles", sublinha Silas.

A competitividade não afeta as relações com os companheiros de equipa - alguns quase com idade para serem seus filhos. "Felizmente, tenho encontrado grupos muito bons. Estou com rapazes de 20 e poucos anos e sou recebido como se fosse da idade deles. Isso é fundamental", relata o guarda-redes do Aves. "Eles não pedem conselhos mas nós damos na mesma. Brincamos muito. E eu tento integrar-me logo: não quero que olhem para mim como o Silas que jogou aqui ou ali", adiciona o médio do Cova da Piedade. "Tenho sempre alguma coisa a aprender com eles. Tento aprender e ajudá-los", conclui Nuno Marçal.

E depois do adeus?

No entanto, chegados os 40 anos, cada dia, cada hora ou cada minuto de competição já é tocado por uma certa nostalgia. O fim está próximo e eles sabem-no. "Ando aí há uns quatro anos a dizer que vai ser o último. Ainda não está alinhavado a 100% mas provavelmente será mesmo este. Não tenho dúvidas de que vou sentir falta da competição em si, do nervosismo, da pressão, daqueles momentos indescritíveis que nos marcam. Mas tenho de dar vez aos mais jovens: é a lei da vida", refere Rui Sousa, que concilia o ciclismo com o trabalho de criação e venda de aves exóticas e com a presidência da União de Freguesia de Barroselas e Carvoeiro (Viana do Castelo).

Nuno Marçal também arranjou trabalho fora das quatro linhas - desde o ano passado, numa empresa de distribuição de oxigénio ao domicilio - e garante que o adeus ao basquetebol não lhe tira o sono: "Após mais de 30 anos em campo, vou sentir a falta, é normal. Mas estou perfeitamente preparado". Contudo, enquanto ainda se sentir em boa forma, está disponível para continuar. "Reavalio a minha vida desportiva ao fim de cada ano. Traço novos objetivos e projeto uma nova temporada, caso o corpo ajude", explica. Assim, o futuro só ficará decidido quando 2016/17 chegar ao fim.

Esperançados em continuarem ligados ao futebol quando pendurarem chuteiras e luvas, Silas e Quim também mantêm o futuro em aberto. O médio, já com o nível B do curso de treinador da UEFA, só descarta a hipótese de deixar os relvados a meio de uma temporada para ir para o banco. "Nunca o faria, por uma questão de lealdade para com o clube e com o treinador, que até pode olhar de lado para nós, a pensar que queremos outro tipo de coisas", esclarece. "Não podemos fazer programas a longa distância mas sim época a época. Se me perguntar se irei continuar, neste momento, digo que sim, porque me sinto bem. Não tenho uma altura pensada para acabar a carreira", concluiu, por sua vez, o guardião.

De resto, os guarda-redes sempre foram dos atletas com mais longevidade nos desportos coletivos. A diferença é que agora há mais quarentões noutras posições... e vão continuar a aparecer. Afinal, "como a nossa esperança média de vida, também a esperança média de uma carreira desportiva tende a aumentar", conclui José Soares.

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