A humanidade aprendeu com a pandemia? 40 autores explicam tudo numa só obra

Assim que a pandemia começou, Américo Pinheira Pereira e Fernando Ilharco, professores da Universidade Católica Portuguesa, perceberam que teriam de colocar a sociedade a refletir sobre esta nova realidade. Surgiu então a ideia de uma obra coletiva, com protagonistas que falassem da sua experiência, refletissem o passado e apresentassem um futuro mais preparado. O resultado é o livro Lições da Pandemia.
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Será que a humanidade aprendeu algo com a última pandemia? Os que tiveram de colocar as mãos na massa para a combater, "claro que sim", assume Américo Pinheira Pereira, mas, e os restantes comuns mortais? Será que estamos todos melhor preparados para eventos semelhantes no futuro? Como ler o passado, analisar o presente e olhar para o futuro, de forma a que o mundo não volte a ser surpreendido? As questões foram surgindo a Américo Pinheira Pereira e a Fernando Ilharco, professores na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, à medida que a pandemia provocada pelo SARS- COV-2 atingia o mundo, e nomeadamente Portugal. Nos corredores da faculdade onde ambos lecionam, comentava-se a informação que ia chegando, os casos, os mortos, as medidas. E logo nos primeiros dias, ali mesmo, nos corredores, surgiu a ideia de uma obra coletiva que refletisse sobre o que estava a acontecer. A pandemia ainda não terminou, mas a obra está pronta e vai ser lançada a 4 de maio, três anos depois do seu início. O título: Lições da Pandemia - Aprender com uma experiência limite. Américo Pinheira Pereira conta-nos como foi: "No mesmo corredor que comentava com as pessoas ligadas à enfermagem o que estava a acontecer, surgiu-me a ideia e propus ao professor Fernando Ilharco: "E se fizéssemos uma obra multidisciplinar?, convidando pessoas que vão pôr a mão na massa para refletirem a realidade e as lições que se podem retirar?". Sim, "lições", reforça, "sem haver vergonha de lhes chamar lições, porque hoje em dia há muito a falsa modéstia de que não se pode dar lições, mas pode e deve-se". O livro, que reúne 40 autores, das mais variadas áreas, da ciência à medicina, da História à política, da economia à solidariedade social, tem mais de um ano de construção e será lançado esta quinta-feira, no edifício da Biblioteca João Paulo II, na UCP, em Lisboa, contando com a presença da reitora Isabel Capeloa e do Chefe de Estado da Armada, Henrique Gouveia e Melo, que dirigiu o processo de vacinação contra a covid-19 no nosso país.

A finalidade da obra, como relata Américo Pinheira Pereira, "é perceber o que a humanidade tem aprendido com este tipo de eventos extremos, não apenas ligados à saúde, mas também a outros". A verdade é que, na sua opinião, "já se deveria ter aprendido com a pandemia da Gripe Espanhola, que teve consequências gravíssimas e com as seguintes, mas, estranhamente, quando se começa a perceber a tendência de perigosidade que o evento surgido na China poderia ter, transformando-se em algo pandémico, o que se viu foi algo que me deixou perplexo, como se nada se tivesse aprendido com pandemia alguma. E até havia filmes que tiveram amplíssima divulgação sobre estes temas, mas, de facto, o que pareceu é que governos, instituições e população em geral estavam completamente desprevenidos perante este evento".

Mas, hoje, confessa o professor de Filosofia, "não tenho dúvida alguma, e a obra espelha isso muito bem, que as pessoas que estiveram diretamente envolvidas nas questões da pandemia, quer no nível das decisões quer nos níveis mais humildes, tenham aprendido lições extraordinárias, mas se olharmos à nossa volta o que se aprendeu de facto? Muito pouco, se calhar." Mas esta é a conclusão que "eu próprio retiro", assume, porque "o livro não retira conclusões". Aliás, "o que esperamos é que as pessoas que leiam a obra, cada uma por si, sejam capazes de retirar as suas conclusões", e que se interroguem "se amanhã aparecer outro vírus, porque é o mais provável, até com uma virulência maior, estaríamos preparados?".

E foi isto mesmo que os coordenadores da obra pediram aos autores. "Muito simplesmente pedimos que fizessem uma reflexão aprofundada em cada uma das suas áreas de especialidade sobre as lições que retiraram e acabámos por dividir a obra em três grandes blocos. A primeira sobre as lições relativas ao passado, em que os autores que sabem a fundo sobre o assunto explicam que lições já poderiam ter sido retiradas de outras situações anteriores e que não foram aprendidas? A segunda é sobre a reflexão da ação no presente, no período mais agudo da pandemia, e a terceira é relativa ao futuro, que perspetivas é que podem ajudar na ideia de o preparar e prevenir".

Américo Pinheira Pereira conta ao DN, não ter sido nada difícil reunir todos os autores que assinam a obra. "As pessoas demonstraram uma vontade extraordinária em querer participar na obra, algumas responderam minutos depois de terem sido convidadas e não demorámos sequer uma semana a termos a confirmação de todos os que estão presentes". Os nomes vão desde Henrique Gouveia e Melo, Alexandre Castro Caldas, Helena Silva, Ema Paulino, Manuel Lemos e tantos outros, a quem os professores da Católica dizem agradecer penhoradamente". "A obra é deles e também de todos os que se ocupam com pensar o presente para, eventualmente, preparar o futuro", lê-se na introdução da obra.

Américo Pereira aproveita também a introdução para destacar que "se há uma grande lição, inicial, todavia fundamental, a retirar do que já se viveu e refletiu acerca da presente pandemia covid-19, é que os seres humanos, sobretudo aqueles em quem tradicionalmente se confia o governo dos povos, não aprendem ou dificilmente aprendem lições, hauríveis no que se dispõe em termos de memória, monumentalidade e escrita, relativas à realidade passada, em si mesma aniquilada pelo inexorável movimento que cria o mundo, mas de que não se pode honestamente afirmar que nada restou." No final, fica a mensagem mais importante, que esta obra "seja um pequeno contributo para se refletir o passado, que já morreu, analisar o presente e como se pode, minimamente, preparar o futuro", acreditando tanto Américo Pereira como Fernando Ilharco que nesta estão "lições que se manterão atuais durante muito tempo".

anamfaldainacio@dn.pt

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