A história feliz do Pevidém. Subir três divisões num ano com a ajuda de uma vila

O clube da freguesia de São Jorge de Selho (Guimarães) está a meia dúzia de jogos de, no espaço de um ano, subir três divisões e passar da distrital (2020) à II Liga (2021). Doutores e operários uniram-se para, através do futebol, lutar pela terra de seis mil habitantes.
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É preciso uma vila para criar um bebé, continua a ser indispensável a vila de Pevidém (Guimarães) para criar um jovem adulto clube de futebol (e kickboxing, já agora) que remonta a 1989, teve uma crise de crescimento que forçou à refundação em 2006 e que entre 2020 e 2021 pode ver a equipa amadora de futebol a passar da distrital de Braga para a II Liga, nacional e profissional. No Campeonato de Portugal, venceu a série B, garantindo uma subida à estreante Liga 3 e entrando na corrida por um lugar na II divisão da elite nacional (começa amanhã a luta pela subida). Esta já é uma história feliz de uma comunidade que lutou pelo bem maior, usando o futebol como motor social. Ou de como indústrias (sobretudo da fileira têxtil), comércio e cidadãos sustentaram um ideal comum.

O lugar de Pevidém, na freguesia de São Jorge de Selho (Guimarães), foi elevado a vila a 21 de junho de 1995. É a urbe que agrega as comunidades à volta com emprego nas fábricas, nos serviços (bancos, lojas, supermercados), é o centro da vida quotidiana de lugares como São Cristóvão de Selho, São Martinho de Candoso, Gondar ou Serzedelo, que adicionam cerca de dez mil pessoas à população de cerca de seis mil habitantes de Pevidém.

O futebol, no Minho, está bem e recomenda-se. Cinco equipas da Associação de Futebol de Braga estão na I Liga (Vitória e Moreirense, concelho de Guimarães; Sp. Braga; Gil Vicente; e Famalicão). E com a possibilidade de um sexto na próxima época: na II Liga, está bem colocado para subir o Vizela, vizinho do Moreirense, mas concelho em nome próprio desde 1998.

Pevidém é um daqueles lugares que é maior do que o pensamento. A industrialização do Vale do Ave criou centenas de empresas na região de Entre Douro e Minho, os pevidenses habituaram-se a partilhar oportunidades com os vizinhos. Só as fábricas de têxteis ofereciam há poucas décadas postos de trabalho (cerca de 10 mil) acima da população local (seis mil). Sobressaíram muitas, mas uma teve um papel fundamental, como muitos grandes negócios familiares em muitas localidades de Portugal: a Coelima, que chegou a empregar cerca de cinco mil trabalhadores (e entrou há dias em processo de insolvência), criou um clube desportivo que sobressaiu no futebol, no andebol e, acima de todos, no ciclismo.

"Naquele tempo, a Coelima andava pela III Divisão, mas desistiu. Começaram a urbanizar em volta do campo e havia planos para fazer prédios no terreno do campo. Tentámos criar uma equipa de futebol e ao mesmo tempo evitar que destruíssem o campo. Aí, foi criado o Grupo Desportivo de Pevidém, com um lema: "três anos de mandato: da III regional à III nacional". Falhámos, só subimos duas vezes, mas mais tarde o clube andou na antiga II Divisão nacional. Foram dados passos maiores do que a perna e teve que se refundar [o emblema]. Em 2006, convidaram-me para refundar o Pevidém, como Pevidém Sport Clube", rememora José Varela, fundador do Pevidém em 1989 e em 2006 e sócio número um.

O Pevidém, hoje, joga no outrora ameaçado Campo Desportivo Albano Coelho Lima (fundador da Coelima em 1922). E joga para todo o país ver. "É mesmo a cereja em cima do bolo. Chegar a um campeonato profissional tendo ao leme o homem certo para catapultar o clube para o profissionalismo. [Rui Machado] vai consolidar o clube, não vai andar a subir e a descer", acrescenta o outrora também empresário têxtil, agora reformado.

"Somos uma equipa totalmente amadora, não há ordenados, pagamos apenas uns subsídios e vamos dar um prémio pela subida à Liga 3. Aliás, esperamos dar um prémio maior, o que significaria que subimos à II Liga", começa por dizer o vice-presidente Ricardo Loureiro, que trabalha na BeStitch, propriedade do presidente Rui Machado, onde tem como colegas o guarda-redes André Preto (internacional nas camadas jovens pelo Vitória) e o goleador Vítor Hugo. Todos eles, tal como os restantes companheiros de balneário e gabinetes (direção, diretor desportivo, etc.), trabalham oito horas por dia e tratam do clube ao início da noite.

"O nosso orçamento para esta época era de 100 mil euros para oito meses. Como, felizmente, vamos estar mais dois meses em competição [fase de subida, série norte, seis jogos frente a Sp. Braga B (amanhã), Anadia e Trofense até 29 de maio, precisamos de mais cerca de 40 mil euros", explica Ricardo Loureiro. "Fomos bater às portas das empresas e dos comerciantes, tivemos uma recetividade enorme numa vila de 6 mil pessoas, algumas contribuem individualmente e de forma espontânea", acrescenta.

E assim se financia o Pevidém SC, que pensa na criação de uma SAD ou SDUQ. "A direção está a pensar na criação de uma SAD, independentemente da subida. Se subirmos, esse processo vai acelerar. Mas o objetivo é garantir autonomia financeira que promova o crescimento do clube", sublinha o vice-presidente.

Mas o espírito comunitário, esse, terá de permanecer intacto. "Gostava de sublinhar um ponto: temos uma taxa de licenciados extraordinária. E um grupo muito forte na ação social. Ainda há dois meses, por iniciativa própria, o plantel andou a pedir na família, no grupo, nos dirigentes e na comunidade, conseguindo centenas de quilos de alimentos que entregaram à Refood. A nós, vieram-nos lágrimas aos olhos", admite.

O diretor desportivo carrega neste vínculo comunitário. "Como diz o presidente, este clube não gera receitas nem para a última divisão distrital. Estamos a falar com parceiros locais, não se quer investimento sem ligação à terra", assume "Fina", alcunha do diretor desportivo Filipe Pinheiro.

"Somos a única equipa das oito a lutar pela subida que não tem SAD ou SDUQ. No início da época, vindos do Pro-nacional da AF Braga, o objetivo primeiro era a manutenção no Campeonato de Portugal, mas apontamos a ficar entre os cinco primeiros [garantia subida à nova Liga 3]", enquadra.

"Treinamos três vezes por semana, ao fim do dia, enquanto os nossos adversários fazem sessões bidiárias quatro a cinco dias por semana. Mas não me lembro de acabarmos nenhum jogo abaixo fisicamente de um adversário. Isto porque somos amadores, mas quando estamos no clube somos exigentes como profissionais e temos um timoneiro, um treinador, com visão e competência", descreve o diretor desportivo.

João Pedro Coelho, há dois anos e meio neste projeto, é compreensivo com os trabalhadores-jogadores, mas exigente. "Ele costuma dizer-nos que se queremos competir, temos de ser exigentes. Quando treinamos, é como profissionais; quando fazemos jogos-treino, vamos equipados como se fosse um jogo oficial; e se o treino começa às 19.00, não é às 19.01", reforça o defesa Filipe Sousa - fez a formação no Vitória, chegou a ter contrato profissional e estava no plantel do Aves na subida da II à I Liga, em 2016/2017, a primeira de várias subidas de divisão

Na época seguinte (2017/2018), começou o percurso profissional como nutricionista do Aves, que conquistaria a Taça de Portugal. Aí, já jogava no Mondinense (CdP). Como nutricionista, formado na Faculdade de Ciências da Nutrição da Universidade do Porto, passou para o Vizela e Shakhtar Donetsk.

Fora dos relvados, já subiu com o Vizela (CdP à II Liga) e, até final da época, já garantiu uma subida dentro de campo (Pevidém, Liga 3), mas pode somar mais: Vizela à I Liga, Pevidém à II Liga. "Com a envolvência da vila, a exigência na gestão e no plano desportivo, o Pevidém é um projeto incrível", remata Filipe Sousa.

dnot@dn.pt

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