A 8 de dezembro de 1995, quando conduzia o seu novo carro descapotável, com um dos filhos ao lado, o jornalista francês Jean-Dominique Bauby, de 43 anos, chefe de redação da revista Elle, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) que o deixou em coma. Ao acordar, vinte dias depois, no Hospital Berck-sur-Mer, na costa norte de França, percebeu que estava paralisado e cego de um dos olhos. Apenas o olho esquerdo continuava operacional. Foi-lhe então diagnosticada uma doença rara, síndrome do encarceramento. Embora continuasse consciente - lembrava-se de tudo, compreendia tudo, ouvia tudo - não conseguia mexer-se nem transmitir nada..O choque foi tremendo. Bauby perdeu 27 quilos em vinte semanas. No entanto, apesar de preso dentro de um corpo inerte, o cérebro continuava a trabalhar furiosamente, numa mistura de raiva, humor, desespero, tristeza e sobretudo frustração por não conseguir dizer aos outros tudo o que sentia. Aos poucos, e graças à ajuda da terapeuta da fala, o jornalista começou a conseguir comunicar batendo a pálpebra do olho esquerdo, o único músculo do corpo que controlava. As letras do alfabeto eram-lhe lidas, e ele piscava o olho - uma vez para sim, duas vezes para não - para ir formando palavras. Depois de ter passado por um período de desespero, Bauby decidiu escrever um livro sobre a sua situação..Com a paciente ajuda de Claude Mendibil, enviada pelo editor Robert Laffont, e ao longo dos três meses do verão de 1996, Jean-Dominique Bauby ditou, com a pálpebra esquerda, as 128 páginas de O Escafandro e a Borboleta, que se transformou num best-seller em França e seria traduzido em trinta línguas (em Portugal está editado pela Livros do Brasil). Ele tinha de planear e "escrever" os capítulos na cabeça durante a noite para, depois, ditá-los letra a letra pela manhã. Um desafio grande até mesmo para um jornalista experiente como ele que, antes de em 1995 se tornar editor da Elle, tinha trabalhado em publicações como Le Quotidien de Paris e a Paris Match..No livro, Bauby relata algumas das suas memórias, as alegrias e as agruras do trabalho como jornalista, recorda as obras que leu, alguns momentos divertidos da sua vida. Mas também conta como é difícil ter uma mente de borboleta presa num corpo de escafandro: "Posso achar divertido, no meu quadragésimo quinto ano, ser lavado e virado, ter alguém que limpe o meu traseiro e o enrole como o de um recém-nascido. Até sinto um prazer culpado nesse regresso à infância. Mas, no dia seguinte, o mesmo procedimento parece-me insuportavelmente triste e uma lágrima rola pela espuma que a enfermeira espalha nas minhas bochechas. O meu banho semanal mergulha-me simultaneamente em aflição e felicidade. O delicioso momento em que entro na banheira é rapidamente seguido pela nostalgia das memórias alegres da minha vida anterior. Armado com uma chávena de chá ou um uísque, um bom livro ou uma pilha de jornais, eu ficava de molho durante horas, manobrando as torneiras com os dedos dos pés. Raramente sinto a minha condição tão cruelmente quanto quando recordo tais prazeres." E admite: "Não só estou exilado, paralisado, mudo, meio surdo, privado de todos os prazeres e reduzido a uma existência de imobilidade, como também sou horrível à vista.".Dias após a edição do livro, em março de 1997, Jean-Dominique Bauby morreu de pneumonia. O último ano de vida do jornalista e autor está retratado no documentário realizado por Jean-Jacques Beineix, que viria a ser transmitido no programa Bouillon de Culture, de Bernard Pivot, com o título Assigné à Résidence ("preso em casa", em francês)..Em 2007, o pintor e realizador americano Julian Schnabel fez o filme O Escafandro e a Borboleta, a partir do livro de Bauby, cujo papel era interpretado pelo ator Mathieu Amalric. Com este filme, Schnabel ganhou o prémio de melhor realizador do Festival de Cannes e um Globo de Ouro e foi ainda nomeado para um Óscar. O filme toma o ponto de vista de Bauby, dá-nos acesso aos seus pensamentos e mostra-nos o mundo desfocado e nublado, tal como ele o via..Ao contrário do que acontece em Mar Adentro, o filme de Alejandro Amenabar, também baseado num caso real, em que o quadriplégico espanhol Ramón Sampedro reivindicava o seu direito a morrer, em O Escafandro e a Borboleta, Jean-Dominique Bauby deseja a morte a princípio, mas depois decide agarrar-se à vida e fazer do seu livro a ponte para o mundo: "Eu estou vivo, eu penso, e ninguém tem o direito de negar-me essas duas realidades", escreve, recorrendo a uma pálpebra, reclamando para si a verdade enunciada por Descartes: penso, logo existo.
A 8 de dezembro de 1995, quando conduzia o seu novo carro descapotável, com um dos filhos ao lado, o jornalista francês Jean-Dominique Bauby, de 43 anos, chefe de redação da revista Elle, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) que o deixou em coma. Ao acordar, vinte dias depois, no Hospital Berck-sur-Mer, na costa norte de França, percebeu que estava paralisado e cego de um dos olhos. Apenas o olho esquerdo continuava operacional. Foi-lhe então diagnosticada uma doença rara, síndrome do encarceramento. Embora continuasse consciente - lembrava-se de tudo, compreendia tudo, ouvia tudo - não conseguia mexer-se nem transmitir nada..O choque foi tremendo. Bauby perdeu 27 quilos em vinte semanas. No entanto, apesar de preso dentro de um corpo inerte, o cérebro continuava a trabalhar furiosamente, numa mistura de raiva, humor, desespero, tristeza e sobretudo frustração por não conseguir dizer aos outros tudo o que sentia. Aos poucos, e graças à ajuda da terapeuta da fala, o jornalista começou a conseguir comunicar batendo a pálpebra do olho esquerdo, o único músculo do corpo que controlava. As letras do alfabeto eram-lhe lidas, e ele piscava o olho - uma vez para sim, duas vezes para não - para ir formando palavras. Depois de ter passado por um período de desespero, Bauby decidiu escrever um livro sobre a sua situação..Com a paciente ajuda de Claude Mendibil, enviada pelo editor Robert Laffont, e ao longo dos três meses do verão de 1996, Jean-Dominique Bauby ditou, com a pálpebra esquerda, as 128 páginas de O Escafandro e a Borboleta, que se transformou num best-seller em França e seria traduzido em trinta línguas (em Portugal está editado pela Livros do Brasil). Ele tinha de planear e "escrever" os capítulos na cabeça durante a noite para, depois, ditá-los letra a letra pela manhã. Um desafio grande até mesmo para um jornalista experiente como ele que, antes de em 1995 se tornar editor da Elle, tinha trabalhado em publicações como Le Quotidien de Paris e a Paris Match..No livro, Bauby relata algumas das suas memórias, as alegrias e as agruras do trabalho como jornalista, recorda as obras que leu, alguns momentos divertidos da sua vida. Mas também conta como é difícil ter uma mente de borboleta presa num corpo de escafandro: "Posso achar divertido, no meu quadragésimo quinto ano, ser lavado e virado, ter alguém que limpe o meu traseiro e o enrole como o de um recém-nascido. Até sinto um prazer culpado nesse regresso à infância. Mas, no dia seguinte, o mesmo procedimento parece-me insuportavelmente triste e uma lágrima rola pela espuma que a enfermeira espalha nas minhas bochechas. O meu banho semanal mergulha-me simultaneamente em aflição e felicidade. O delicioso momento em que entro na banheira é rapidamente seguido pela nostalgia das memórias alegres da minha vida anterior. Armado com uma chávena de chá ou um uísque, um bom livro ou uma pilha de jornais, eu ficava de molho durante horas, manobrando as torneiras com os dedos dos pés. Raramente sinto a minha condição tão cruelmente quanto quando recordo tais prazeres." E admite: "Não só estou exilado, paralisado, mudo, meio surdo, privado de todos os prazeres e reduzido a uma existência de imobilidade, como também sou horrível à vista.".Dias após a edição do livro, em março de 1997, Jean-Dominique Bauby morreu de pneumonia. O último ano de vida do jornalista e autor está retratado no documentário realizado por Jean-Jacques Beineix, que viria a ser transmitido no programa Bouillon de Culture, de Bernard Pivot, com o título Assigné à Résidence ("preso em casa", em francês)..Em 2007, o pintor e realizador americano Julian Schnabel fez o filme O Escafandro e a Borboleta, a partir do livro de Bauby, cujo papel era interpretado pelo ator Mathieu Amalric. Com este filme, Schnabel ganhou o prémio de melhor realizador do Festival de Cannes e um Globo de Ouro e foi ainda nomeado para um Óscar. O filme toma o ponto de vista de Bauby, dá-nos acesso aos seus pensamentos e mostra-nos o mundo desfocado e nublado, tal como ele o via..Ao contrário do que acontece em Mar Adentro, o filme de Alejandro Amenabar, também baseado num caso real, em que o quadriplégico espanhol Ramón Sampedro reivindicava o seu direito a morrer, em O Escafandro e a Borboleta, Jean-Dominique Bauby deseja a morte a princípio, mas depois decide agarrar-se à vida e fazer do seu livro a ponte para o mundo: "Eu estou vivo, eu penso, e ninguém tem o direito de negar-me essas duas realidades", escreve, recorrendo a uma pálpebra, reclamando para si a verdade enunciada por Descartes: penso, logo existo.