A História contada por duasgerações distintas de músicos
O cartaz de Paredes de Coura reservava este ano, e à imagem do que já tinha acontecido noutras edições, uma interessante ponte entre passado e presente. Motorhead, The The ou Bad Religion foram apenas alguns dos nomes que anteriormente trouxeram pedaços de História ao festival , sem perder qualquer noção do presente.
Na quarta-feira, esse papel coube aos Gang of Four, responsáveis pela existência de bandas como os Bloc Party ou !!!. Um pouco à imagem dos Rolling Stones actuais, quaisquer sinais preocupantes de envelhecimento precoce são plenamente ultrapassados com uma pujança rara para quem se aproxima da ternura dos 50 anos.
Em palco, os Gang of Four quiseram mostrar porque são fundamentais no movimento pós-punk do final de 70/início de 80. O baixo catalisador de Dave Allen continua a ser uma fonte de alimentação nutrida por funk carnal, pai do estilo de Flea dos Red Hot Chili Peppers. Já a guitarra de Andy Gill, mais discreta, mantém um sentido experimental que não se perde em maneirismos mas antes aproveita a diferença para a aplicar em canções ou longos feedbacks. Se outra razão não houvesse, os Gang of Four representariam um pedaço importante da música do seu período e uma influência para a que se produz actualmente. Não satisfeitos, escolheram o melhor da sua carreira e justificaram a razão da sua existência, tantos anos depois.
Até à gravação do seu primeiro álbum, Silent Alarm, os Bloc Party nunca tinham ouvido falar dos Gang of Four. As palavras são dos próprios mas custam a acreditar. A descendência é demasiado evidente para ser secundarizada, o que não serve como impedimento para uma actuação histórica. Mais uma vez, este foi um exemplo do que é passar por Portugal na altura certa. Em plena gravação do segundo álbum, do qual apresentaram duas canções, que sem se afastarem minimamente do fio condutor apresentado, mostram um grau de maturação superior, os Bloc Party beneficiaram da adesão popular a canções como Banquet, This Modern Love ou Two More Years. Algo que se estende, aliás, ao resto do espectáculo, onde demonstraram que já não são os mesmos que gravaram o seu único disco até ao momento.
Aqui, todo o alinhamento é pensado em função do público. Vão directos às canções com meia dúzia de incitamentos do vocalista Kele Okereke, uma revelação enquanto agitador de massas por excelência, sem se perderem em rodeios desnecessários. Quando regressarem, trarão novas canções mas como em qualquer equipa ganhadora, bastará continuar assim para se tornarem numa das forças alternativas de referência, se é que não o são já.
Repetentes em Paredes de Coura , os Yeah Yeah Yeahs gozam indiscutivelmente de um estatuto primordial no que ao underground ..ova-iorquino diz respeito. Mais interessante é observar a maneira como o descontrolo e a esquizofrenia da vocalista Karen O são assimilados e até imitados pela audiência. Algures a meio caminho do binómio Maria Rapaz/ girl power .. os Yeah Yeah Yeahs e a sua relações públicas representam o oposto do polimento das canções. É certo que olhando às suas últimas criações, alguma da carga primária foi substituída por uma maior elegância. Ao vivo, preferem concentrar-se na adrenalina em detrimento da elegância. E só ganham com essa atitude...
À tarde, Vicious 5 e Eagles of Death Metal foram celebrados por terem afastado a chuva do recinto. De resto, conseguiram a proeza de aproximar os campistas da lama que lembrava festivais ingleses como Glastonbury. A fechar, os We Are Scientists foram a única desilusão de Paredes de Coura. O trio, que se estreou este ano , não conseguiu segurar-se num palco tão grande.
Um balanço positivo
Em jeito de balanço, mesmo sem terem acontecido os últimos concertos, a organização do festival mostrou-se altamente satisfeita com os resultados obtidos. Na terça-feira registou-se a maior afluência de público, com cerca de 22 mil pessoas presentes no recinto. Este número baixou no dia seguinte devido à intempérie que se abateu sobre o festival , o que levou alguns campistas a debandar. No entanto, as autoridades não comunicaram qualquer incidente relacionado com a segurança. Sobre a música, João Barreiros, da organização, considerou que se assistiram a alguns dos "melhores concertos de sempre", destacando Fischerspooner, Broken Social Scene, Yeah Yeah Yeahs e Bloc Party. Estes últimos pediram para regressar em 2007, revelou ainda. António Moreira, da empresa patrocinadora Heineken, disse que serão feitos "sacos a partir da lona do palco", adiantando poder vir a realizar-se um InteRail com a possibilidade de levar os passageiros a Paredes de Coura .