A Guerra Fria nunca acabou
Uma enorme quantidade de livros e artigos afirma que a competição entre os Estados Unidos e a União Soviética, denominada Guerra Fria, começou em 1947 e acabou em 1991, com a dissolução desta última. Nessas mais de quatro décadas, essa disputa passou por diversas fases que alternaram períodos de rivalidade mais intensa com o desencadeamento de crises, como a de Berlim e a dos Mísseis de Cuba e com períodos de distensão e de cooperação em temas de interesse comum. Alguns analistas até consideraram que com o fim da União Soviética a História havia acabado e o Ocidente havia vencido.
A Guerra Fria, no entanto, não acabou com a dissolução da União Soviética, embora ela tenha causado importantes mudanças políticas, ideológicas, económicas e estratégicas, com repercussões no sistema internacional. Ela representou apenas o início de uma nova fase da Guerra Fria. Nesta fase pós-soviética, a competição continuou com a Rússia ocupando o lugar de potência a ser contida pelos Estados Unidos.
Nesse contexto, a Guerra Fria pode ser definida como um processo da competição entre as grandes potências constituído de diversas fases, com períodos de distensão, de acomodação, de cooperação em temas de interesse comum, de crises e de agravamento das tensões e de guerras por procuração sem, no entanto, resultar em um conflito armado de grandes proporções entre elas.
A dissolução da União Soviética foi considerada pelos Estados Unidos como uma vitória, devido, principalmente, à estratégia norte-americana de contenção e dissuasão. A Rússia, como principal Estado da era soviética, foi tratada pelo governo norte-americano como uma potência vencida que, apesar da péssima situação económica em que se encontrava, não teria direito a um tipo de Plano Marshall.
A estratégia dos Estados Unidos para a Rússia foi concebida com três objetivos principais. Primeiro, desenvolver uma cooperação limitada, mantendo, porém, a Rússia como uma ameaça em potencial, principalmente pela sua capacidade nuclear. A cooperação limitada estava relacionada com uma série de exigências descritas nas Estratégias de Segurança Nacional norte-americanas dos anos 1990, tais como democratização, privatizações, economia de mercado, redução de armamentos e política externa amigável, principalmente, em relação às antigas repúblicas da União Soviética. O segundo objetivo era evitar que a Europa se tornasse um novo polo de poder que viesse a competir com os Estados Unidos, principalmente, quando as negociações entre o governo da Alemanha Ocidental com os dirigentes russos em relação à unificação alemã criavam um ambiente de confiança e cooperação entre eles. Finalmente, o terceiro objetivo era a atração para a área de influência dos Estados Unidos das repúblicas que fizeram parte da União Soviética. Esse movimento, além de ter vantagens políticas, económicas e militares, neutralizava a aspiração da Rússia de ter uma influência preponderante nessas catorze nações, denominadas pelos russos como "near abroad".
Para que a estratégia norte-americana tivesse êxito era preciso manter a NATO, mesmo com a dissolução do Pacto de Varsóvia, organização de defesa mútua da União Soviética que a ela se contrapunha. Portanto, era fundamental afirmar que a Rússia poderia, no futuro, se tornar uma ameaça à segurança europeia. Além do mais, a NATO seria um instrumento importante para os dois outros objetivos da estratégia norte-americana. Primeiro, porque através dela o governo norte-americano manteria a sua preponderância na segurança europeia e evitaria que a cooperação entre a Rússia e a Europa se intensificasse a tal ponto que contribuísse para que a Europa se tornasse um novo polo de poder que pudesse competir com os Estados Unidos. Segundo, porque a Organização seria um instrumento que facilitaria o objetivo de atrair as repúblicas da ex-União Soviética para a área de influência norte-americana, através de mecanismos como a Parceria para a Paz, criada em 1994.
No entanto, era preciso convencer os russos de que a manutenção da NATO não significava uma ameaça para a Rússia que, inclusive, aderiu à Parceria para a Paz. Assim sendo, os Estados Unidos ao mesmo tempo que mantinham a liberdade de ação para expandir a NATO foram negociando diversos mecanismos com os russos, que culminaram com o Ato Fundador NATO-Rússia, em 27 de maio de 1997, mecanismo político-militar para "juntos construírem uma Europa estável, pacífica e indivisível", como consta no documento de sua criação. Apesar da promessa, em 08 de julho do mesmo ano a NATO convida a República Checa, a Hungria e a Polónia para entrarem na Organização, desconsiderando a oposição do governo russo e de analistas e setores do governo norte-americano.
Lorde Hastings Lionel Ismay, que foi o primeiro Secretário-Geral da NATO, certa vez afirmou que "A NATO foi criada para manter a União Soviética fora, os americanos dentro e os alemães para baixo". Hoje, se poderia dizer que a NATO foi mantida para deixar a Rússia fora, os americanos dentro e a Europa contida.
Até quando?
Almirante (Reformado). Doutor em Relações Internacionais pela PUC-Rio. Pesquisador-Sénior do Núcleo de Estudos Avançados do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense. Autor do livro A Diplomacia de Defesa na Política Internacional.