O título é sugestivo, como é regra na Economist: "A Primeira Guerra Mundial, que na realidade não o foi." E apesar de ser um artigo com três anos, daqueles intemporais que a revista britânica põe no Facebook, vale bem a pena lê-lo, porque põe a nu uma verdade pouco falada: a Guerra de 1914-1918 não foi a primeira travada a nível mundial..É certo que se combateu na Europa, no Médio Oriente, na Ásia Oriental e até na África Austral (como bem sabem os portugueses, atacados pelos alemães em Angola e em Moçambique), mas não é o ter sido mundial que se discute e sim o ter sido a primeira mundial. Aliás, começou por ser Grande Guerra e só se impôs como Primeira Guerra Mundial quando se começou a falar já da Segunda..Com a desculpa de ser duplamente anglo-saxónica, afinal é feita por britânicos e vende-se sobretudo nos Estados Unidos, a Economist destaca com muita certeza a Guerra dos Sete Anos (1756-1763) como a primeira a ter sido combatida pelo mundo fora, com ingleses e franceses (mais os respetivos aliados) a enfrentar-se na América do Norte, na Índia e na Europa..Foi nela, destaca a revista, que um general da milícia da Virgínia ganhou prestígio pela primeira vez: chamava-se George Washington e ficou depois para a história como primeiro presidente dos Estados Unidos, rebelde contra a Coroa pela qual antes combateu por esta querer cobrar impostos abusivos aos colonos americanos para pagar as despesas da Guerra dos Sete Anos (que belo nome para conflito, contabilístico, apesar de nada esclarecer sobre a sua complexidade e até ter começado em 1754). Também se diz que a França apoiou em 1776 as 13 colónias americanas para se vingar da derrota com os ingleses. E, já agora, esta vingança terá custado tanto que o Tesouro francês se esvaziou e o povo saiu em 1789 à rua revolucionário para cortar a cabeça a Luís XVI quatro anos depois..Honra seja pois feita à Guerra dos Sete Anos, tão mundial como transformadora do mundo nas suas consequências. Mas não foi a Primeira Guerra Mundial porque esse título, pense a Economist o que quiser, pertence sim ao conflito travado entre portugueses e holandeses na primeira metade do século XVII. Teve batalhas no Brasil e em Angola, com a vitória aqui a ser portuguesa apesar da ocupação do Nor-deste e de Luanda pelo inimigo; teve também batalhas no Ceilão (atual Sri Lanka) e em Malaca, que os holandeses ganharam. Imaginar como seriam dadas as ordens, com meses de viagem por mar, e como cada beligerante traçava a sua estratégia, numa época de comunicações insuficientes para tanto mundo já descoberto, fascina qualquer apaixonado pela história. Mudou o mundo esta guerra, de resultado tão empatado? Sim. Portugal deixou de ser uma potência bélica de primeiro plano, e ingleses e franceses ultrapassaram os países ibéricos (sob uma única coroa até 1640) e a debilitada Holanda para se assumirem como rivais e lutarem entre si pela supremacia até ao ajuste de contas de 1756-1763..Como prometi logo no título, isto nada tem que ver com Jeroen Dijsselbloem mesmo que alguns brasileiros, irritados com as coisas más do Brasil e cegos às muitas boas, ainda hoje lamentem que os holandeses (das contas certinhas) não tenham derrotado os portugueses (cheios de fraquezas) e sido eles os colonizadores. A melhor resposta costuma vir de outros brasileiros, cheios de ironia: sim, em vez de Brasil haveria hoje um gigantesco Suriname. Isso, sim, teria sido um impacto de peso da tal Primeira Guerra Mundial de verdade.