A guerra entre os herdeiros do império multimilionário de Picasso

É a família ligada à arte mais rica de todo o mundo. Mas a fortuna do pai e do avô tem causado mais desavenças do que encontros
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Quando morreu, em 1973, aos 91 anos, Pablo Picasso não deixou testamento, mas sim 45 mil obras e um longo e intricado processo de partilhas. O acordo entre os herdeiros custou perto de 27 milhões de euros e, segundo a escritora Deborah Trustman, lembrava uma das construções cubistas de Picasso: "Mulheres, amantes, filhos legítimos e ilegítimos [o filho mais novo tem menos 28 anos do que o mais velho] e netos - todos amarrados num eixo como a espinha dorsal de uma figura com peças incomparáveis."

As contas foram feitas: 1885 quadros, 1228 esculturas, 7089 desenhos, 30 000 impressões, 150 esboços e 3222 trabalhos em cerâmica. E ainda vários livros ilustrados, peças em cobre e tapeçarias. Dois châteaux e três casas (Picasso viveu e trabalhou em 20 endereços diferentes entre 1900 e 1973). Segundo a Vanity Fair, que cita fonte familiar, haveria ainda 4,5 milhões em dinheiro e 1,3 milhões em ouro. E ainda ações e títulos cujo valor nunca foi tornado público. Em 1980, o valor da fortuna do pintor espanhol estimava-se em 222 milhões de euros, mas o valor atual está na casa dos mil milhões.

Em 1996, Claude Picasso, nomeado administrador legal do património do pai por um tribunal francês, criou a Picasso Administration, com sede em Paris, e que gere os interesses dos herdeiros, além de controlar os direitos sobre as reproduções e exibições da obra de Picasso. Licencia desde pratos ou canetas, automóveis e gravatas, e trata ainda dos processos que envolvem peças roubadas e o uso ilegal do nome do pintor.

Durante a sua vida, Picasso foi um dos artistas mais prolíficos e mais fotografados. Neste ano, continua a ser o mais reproduzido, mais exibido e mais pirateado do mundo. Todos querem um bocadinho de Picasso, o que é sobretudo verdade no que diz respeito aos herdeiros.

Maya Widmaier-Picasso tem 80 anos e é filha do artista. A mãe foi Marie-Thérèse Walter, que o pintor conheceu em 1927, quando ela tinha 17 anos e ele 45. Nove anos antes, Picasso casara-se com Olga Khokhlova e teve um filho com ela: Paulo. Maya vive em Paris, tem três filhos e é uma das herdeiras sobreviventes da fortuna de Picasso. Aliás, os cinco herdeiros são todos multimilionários. São eles: além de Maya, Claude e a irmã, Paloma - filhos de Picasso com a amante Françoise Gilot, a única mulher que deixou o pintor, e Marina e Bernard, filhos de Paulo, que morreu em 1975.
Um dos quadros que Maya viu o pai pintar é o Les Femmes d"Alger, que foi vendido, em 2015, por um valor recorde: 159,177 milhões de euros, o que deixou os cinco herdeiros ainda mais ricos. Mas onde há dinheiro, há drama.

Em janeiro, Maya aparece no epicentro de uma polémica. Em causa, o busto de Marie-Thérèse Walter, datado de 1931, e a peça-chave da recente exposição Esculturas de Picasso do Museu de Arte Moderna. A peça, chamada Busto de Uma Mulher, foi vendida em simultâneo por representantes de Maya a dois compradores: a primeira, em novembro de 2014, ao xeque Jassim bin Abdulaziz al-Thani, marido de Al-Mayassa bint Hamad bin Khalifa al-Thani, irmã do emir do Qatar e chairwoman do Qatar Museum, que, segundo a Forbes, é a "rainha inquestionável da arte mundial".

O busto terá sido vendido por cerca de 37 milhões de euros. Mas um outro comprador - Gagosian - afirma que adquiriu a mesma peça por 94 milhões de euros. Tribunais nos Estados Unidos, Suíça e França estão a tentar decidir quem será o real dono da peça.

Em 2012, quatro dos herdeiros, à exceção de Maya, anunciaram, através de uma carta posta a circular na internet, a criação de um novo procedimento para autenticar peças de Picasso. Só a opinião de Claude seria "oficialmente reconhecida" pelos assinantes do documento. Maya contou, mais tarde, que só soube da existência da carta - e do acordo - quando um amigo lhe contou a novidade. "Quase morri", terá dito. A guerra continua.

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