A guerra e a crise

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Tem-se falado e escrito muito, nos últimos tempos, em "operação militar especial", "guerra híbrida" e "guerra", e poucas vezes em "crise". A "operação militar especial" é um eufemismo para não dizer guerra, usado por quem julga poder assim enganar o mundo; a "guerra híbrida", apesar de haver tentativas da sua definição para caracterizar certos conflitos é, também, de definição controversa, porque guerra é guerra. Além destes dois termos, aquilo que realmente se passa na Europa é uma guerra entre a Rússia e a Ucrânia e, a nível mundial, uma crise entre o "Ocidente" e a Rússia. A perfeita diferenciação entre os dois últimos termos é muito importante, porque na guerra pretende-se vencer o inimigo; na crise o que se pretende é evitar a guerra.

Na guerra utilizam-se todos os vectores que possam "fazer ajoelhar" o inimigo, dos meios materiais ao moral; da informação à desinformação; da acção psicológica à alteração das percepções; da sua segurança à exploração das vulnerabilidades do adversário. Isto é aquilo a que estamos a assistir na guerra entre a Rússia e a Ucrânia.

Na crise entre o "Ocidente" e a Rússia, este tem empregue diversos vectores estratégicos. A diplomacia, a nível mundial e regional, procurando apoios e consensos e a condenação do opositor; sanções económicas e financeiras que limitem a liberdade de acção e o bem-estar do adversário e o levem a repensar a sua política de expansão imperialista; acções de apoio político, financeiro, material e moral à Ucrânia; e acções militares no território da NATO, que visam reforçar o seu dispositivo militar, nos países próximos da Rússia e da área de conflicto. Estas acções, se forem oportunas e conduzidas com progressividade, critério e flexibilidade, podem fazer com que a crise não degenere numa guerra, com potenciais resultados cataclísmicos, devido à existência de arsenais nucleares.

Gerir inteligentemente a crise, por forma a evitar a guerra, é pois uma operação de dominante política em que não há lugar nem para tibiezas nem para belicismo. Assim sendo, são preocupantes algumas reacções, atitudes e propósitos que temos vindo a observar.

Vários destacados responsáveis políticos, como o secretário de Defesa americano e o secretário-geral da NATO, têm dito que é necessário "enfraquecer a Rússia" ou que "a Ucrânia pode ganhar a guerra", quando apenas deveriam dizer que é necessário apoiar a Ucrânia, país independente e soberano, na sua defesa; demonstrar a estupidez que foi tê-la invadido; e moderar a acção imperialista e expansiva do Kremlin. Por parte deste, há, pelo seu lado, falta de contenção quando surgem ameaças de emprego de armas nucleares.

Grande parte dos avultados apoios financeiros à Ucrânia são para pagar às indústrias de defesa, nomeadamente à americana, o armamento que lhes é fornecido. Sabemos, no entanto, os lucros astronómicos que aquelas indústrias conseguem e a vantagem que têm com o prolongamento das guerras.

Em vez de se intensificar as acções sancionatórias da Rússia e as diligências diplomáticas, dá-se à direcção política ucraniana e ao seu povo a ideia de que a longo prazo irão ganhar a guerra, sem que haja conversações, negociações, cedências e a formulação de garantias de que a segurança da Rússia não será ameaçada pelo posicionamento de certas armas em países próximos do seu território.

Em conclusão, se se pretende a paz, há que gerir bem a crise, o que exige conversações e uma desenvolvida acção diplomática. Se os dois adversários apresentarem propostas em que não haja humilhações, dever-se-á chegar à paz. Caso contrário, a crise poderá degenerar na guerra.

Ex-chefe do Estado-Maior do exército

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