A guerra dos gasodutos

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A guerra na Ucrânia entre o exército de Kiev e os independentistas pró--russos voltou a reacender-se, depois de os rebeldes conseguirem recuperar o controlo de zonas adjacentes a Lugansk e Donetsk.

Está em causa não só uma questão separatista, mas também uma guerra energética, visto que por aqui passam os mais importantes gasodutos russos que fornecem o gás à Europa do Norte e do Leste. Com a União Europeia e a NATO a conseguirem angariar os países da antiga União Soviética, e com a Rússia a redefinir a sua posição estratégica mundial, visível por exemplo na União Euroasiática entre Rússia, Bielorrússia e Cazaquistão, ou na aproximação ao Médio Oriente, Índia e China, a dimensão deste velho conflito assume outras proporções.

A Rússia precisa de vender uma das suas maiores riquezas, o gás. Do lado asiático, os seus maiores clientes são a China, o Japão e a Coreia do Sul e o seu principal meio de fornecimento, para além dos petroleiros, tem sido o gasoduto Sibéria-Pacifico. No passado dia 1 de setembro começou a ser construído o Força Sibéria, que permitirá escoar 38 mil milhões de metros cúbicos de gás russo para a China. Ora se o plano energético a oriente está a correr relativamente bem, apesar de o preço acordado de venda ter sido abaixo do previsto, a ocidente a situação já não é tão favorável. Quase 80% das exportações de gás russo para a Europa são feitas através de gasodutos que passam pela Ucrânia, o que torna a Rússia extraordinariamente dependente deste país. Por isso, Putin tem apenas duas alternativas, ou controla o território ucraniano ou arranja gasodutos alternativos.

A primeira hipótese é a que muitos acham estar a acontecer. Consegui-lo militarmente é um erro estratégico, e Sergei Lavrov já deixou bem claro que não quer envolver a Rússia num guerra que, segundo diz, é apenas da Ucrânia. Resta por isso uma tática mais subtil, mas igualmente eficaz: desestabilizar o país incentivando separatismos regionais. Desta forma consegue não só tornar quase impossível a adesão da Ucrânia à União Europeia, como torna mais difícil a sua integração na NATO, cujos estatutos bloqueiam a aceitação de um novo Estado membro que tenha disputas militares em curso.

Mas é claro que Putin não descura a procura de alternativas aos gasodutos que passam pela Ucrânia, e com esta guerra assegura o controlo da região do mar de Azov que faz a ligação à península da Crimeia, anexada em Março. Está também a construir um novo gasoduto, denominado Corrente do Sul, que ligará diretamente a Rússia à Europa, atravessando o mar Negro, entrando pela Bulgária. Como resposta, os EUA apoiam a construção do gasoduto Nabuco, que fornecerá gás do Azerbaijão e do Irão à União Europeia, e que ligará uma série de outros gasodutos já existentes, que passam pela Geórgia e pela Turquia.

Este conflito não é inédito nem novo. Desde 2005 que, quase todos os anos, Moscovo corta o fornecimento de gás à Ucrânia, e muitas vezes no pino do inverno. Mas agora a situação alterou-se, e a questão separatista é apenas um pretexto para conseguir outros objetivos. A Rússia tem aspirações geostratégicas e não quer continuar refém dos interesses europeus e americanos. Espera-se por isso um desfecho diferente dos anteriores, mas que não passe pela ofensiva militar, porque essa pode trazer consequências que nenhuma das partes envolvidas deseja.

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