A guerra do Sahel

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A guerra na região africana do Sahel pode entrar numa nova fase, com a possível intervenção da CEDEAO (Comunidade de Estados da África Ocidental) no Níger, alegadamente para recolocar no poder o anterior presidente, Mohamed Bazoum, deposto por um golpe militar no passado dia 26 de julho. A decisão não conta com a unanimidade dos países membros da referida organização (cinco deles - Mali, Burkina Faso, Guiné, Chade e Libéria - já se opuseram a ela, acompanhados pela Mauritânia, que abandonou o grupo em 2002), mas, apesar disso, a hipótese persiste.

Logo após o golpe que depôs Bazoum, a Nigéria apressou-se a cortar o fornecimento de energia ao Níger, responsável por 70% do consumo deste último país. O Senegal, outro país importante da região, atualmente a contas com fortes problemas internos, também apoia a ideia de invasão do território nigerino. É difícil entender as motivações desses dois países a partir de uma perspetiva africana, se nos recordarmos de que uma das primeiras medidas das novas autoridades do Níger foi expulsar as tropas francesas do país, no que parece ser uma tendência para começar a pôr fim à nefasta influência francesa na região (medida idêntica foi tomada recentemente pelo Mali e o Burkina Faso). O facto é que certas elites africanas, no intuito de se prolongarem no poder, não hesitam em aliar-se a interesses externos ao continente, quaisquer que eles sejam.

É verdade que, nas últimas décadas, os golpes de estado militares tinham deixado de ser comuns em África, tendo a maioria dos países do continente adotado o modelo democrático ocidental, baseado em eleições regulares. De um modo geral, contudo, isso não trouxe nem estabilidade, nem desenvolvimento, por duas razões de fundo: primeiro, o princípio de que "quem ganha leva tudo", intrínseco ao referido modelo, não parece o mais adequado a sociedades fortemente marcadas pela fragmentação, inclusive étnica, e pelo comunitarismo; segundo, mesmo a maioria dos países africanos onde esse modelo tem funcionado de maneira mais estável tem revelado uma evidente incapacidade de lidar com os seus problemas sociais, económicos e financeiros, o que, a médio ou longo prazo, pode vir a criar-lhes também turbulências internas.

Tudo isso deveria levar-nos à seguinte ilação: não basta condenar em abstrato os golpes de estado que continuam a acontecer em África; é imperioso impedir a criação do caldo de cultura que, eventualmente, pode levar à sua ocorrência. Nós, africanos, precisamos com urgência de discutir isto entre nós, reduzindo, pois, as nossas eventuais expectativas em relação à "ajuda exterior" a fim de encontrarmos o nosso próprio caminho.

As relações internacionais são ditadas por um fator fundamental: os interesses de cada um. Como declarou há poucos meses, sem qualquer tipo de pudor, o responsável das relações exteriores da União Europeia, Josep Borrell, o Ocidente está interessado em que o continente africano continue a ser um mero fornecedor de matérias-primas. A narrativa das potências ocidentais de que estão empenhadas em defender a democracia em África é apenas, por conseguinte, conversa para boi dormir: se ela servir à concretização dos seus interesses, defendê-la-ão; caso contrário, não hesitarão em ignorá-la.

O caso do Níger demonstra-o cabalmente. O país fornece 15% do urânio de que a França necessita para produzir eletricidade, sendo que essa exploração nunca deixou de ser feita, mesmo após os quatro golpes de estado que aconteceram anteriormente no país; a natureza do regime nigerino só começa a ser um problema agora, quando as autoridades dão sinais de que querem mudar as suas relações com a França. Uma curiosidade interessante: a empresa francesa que explora esse mineral tem um custo de dez dólares, comercializando-o, entretanto, acima dos duzentos.

A finalizar, recorde-se que a guerra no Sahel começou em 2011, com o assassinato de Kadhafi e o desmembramento da Líbia pela França. O antigo líder líbio era um autocrata, mas não foi morto por isso, tendo sido assassinado por ter sido um assumido defensor da soberania e da autonomia africana e uma das primeiras vozes do hoje chamado Sul Global a defender a desdolarização do comércio internacional; a verdade é que a sua morte não trouxe democracia à Líbia, mas apenas instabilidade.

Hoje, o Sahel está um caos, repleto de bases militares estrangeiras, sujeito à atuação do terrorismo islâmico, organizações de tráfico humano, "atravessadores" e promotores da emigração ilegal para a Europa e outros fatores. Mas pode piorar ainda mais.

Escritor e jornalista angolano.
Diretor da revista
África 21

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