A gratidão
Leio sempre com muito gosto as crónicas do João Céu e Silva neste jornal. Costuma falar- -nos do seu bairro - o Arco do Ce-go - e dos seus moradores retratando, carinhosamente, uma parte da nossa sociedade. Na última, intitulada «Separação» - a propósito da surpresa que lhe havia causado o facto de um filho seu, adolescente, estar a ouvir um disco de BB King -, ele aborda o tema da importância que algumas pessoas têm na nossa vida, mesmo se a sua passagem é fugaz.
Como consequência, dei comigo a pensar por onde é que andarão, hoje, homens e mulheres a quem devo tantas das escolhas que fiz, tanto trabalho que realizei, tanta discussão que tive, tantos livros que li, tantos filmes que vi, enfim, tanto daquilo em que me tornei?
Uns, como o Adérito Sedas Nunes, a Lourdes Pintasilgo ou a Teresa Santa Clara, estão, infelizmente, já mortos.
Outros como a Maria Velho da Costa, a Madalena Fragoso, a Manuela Silva, o Luís Teixeira Pinto, o Fernando Seara, o Emídio Rangel ou o Paulo Chitas, por exemplo, apesar de não fazerem parte do grupo com quem convi-vo regularmente, continuam a estar presentes no meu dia-a-dia, e fico satisfeita quando sei dos seus sucessos ou das suas alegrias.
Mas muitos há, ainda, mal-grado meu, cujo destino ignoro totalmente.
Esta consciencialização incomodou-me, porque provou que, mesmo eu, que me considero uma pessoa grata a quem me faz bem, tenho uma memória bem mais curta do que devia?
Alguns destes encontros - pese embora o carácter efémero de que se revestem - deixaram, para sempre, a sua marca nos meus caminhos.
Mas, talvez porque são passageiros, nem sempre os recordo. Só quando alguém ou algum facto me abala mais é que retomo consciência deles.
Neste deambular a que a crónica me conduziu, descobri mais de uma vintena de pessoas a quem me sinto imensamente grata por, numa ou noutra altura da minha vida, nela terem tido um papel preponderante.
Possivelmente sem disso se terem dado conta. Não falo, claro, da família ou dos amigos próximos. Esses, no bom e no mau, na alegria e na tristeza, nunca deixaram de me apoiar.
Ainda há bem poucos dias tive consciência disto quando, ao ligar a RTP-Memória, recordei a herança que alguns homens de televisão nos legaram. Chega a surpreender o muito que se fazia com o pouco de que, então, se dispunha?
Se algo de válido ainda poderei realizar, será tentar transmitir aos meus netos um pouco da lembrança de outros tempos, meus e do pai deles, cujo conhecimento não só lhes permitirá entenderem-nos melhor como, certamente, os ajudará, no futuro, a compreender um mundo que será o seu.
E, cada vez que o faço, não consigo evitar a comoção que me causa ver, na reacção deles, tanto de mim própria, em versão actualizada, numa espécie de projecção futura daquilo que já fui!
Tal como aconteceu comigo em relação aos meus avós maternos que, sem sombra de dúvida, terão constituído o «passaporte familiar vitalício», que me permitiu sentir que pertenço a uma velha árvore, da qual me orgulho muito e sem a qual me não concebo.