A grande família

Publicado a
Atualizado a

O presidente do Tribunal de Contas de Minas Gerais, Toninho Andrada, 55 anos, deixou o cargo para disputar a prefeitura da cidade de Barbacena. No entanto, uma semana depois, o seu filho, Boninho Andrada, de 25, entrou no órgão para receber um generoso salário como assessor do sucessor do pai. A notícia, que saiu no jornal O Estado de Minas, de Belo Horizonte, há já um ano, é pequenina. Mas sintomática.

Numa notícia um pouco maior na semana passada, a Folha de S. Paulo informa que o deputado federal Nilto Tatto, o deputado estadual paulista Enio Tatto e os vereadores paulistanos Arselino Tatto e Jair Tatto, todos irmãos, gastaram um milhão de reais de verbas públicas em material de uma gráfica que pertence a Anderson Labb, irmão de Sérgio Labb, por sua vez casado com Veronica Tatto Labb, irmã dos quatro políticos.

Embora as Bancadas da Bíblia, do Boi e da Bala, que defendem, respetivamente, os interesses dos evangélicos pentecostais e neopentecostais, dos ruralistas e agropecuaristas e dos polícias e militares no Congresso Nacional sejam, pelo seu simbolismo e exotismo, mais notadas nacional e internacionalmente, não há bancada no Brasil com a força da dos parentes: quase sete em cada dez parlamentares (equivalente a 319 deputados e 59 senadores) têm familiares na política.

Estudo publicado em 2011 pelo historiador britânico Patrick French citado no portal Congresso em Foco revelou que na Índia, a pátria das castas, só 28% das cadeiras da câmara eram ocupadas por deputados com políticos na família. Outro estudo, conduzido pelo pesquisador Ricardo Oliveira, notou que a prática se prolonga no poder executivo - 17 dos ministros originais de Michel Temer tinham um parente no meio político - e judicial - há familiares de oito dos 11 juízes do Supremo em órgãos públicos ligados ao direito.

"Não há irregularidade legal na contratação dele!", respondeu prontamente, de código deontológico na mão para enterrar logo de raiz suspeitas de nepotismo, Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados e presidente do Brasil em caso de impedimento de Temer, quando há uns meses contratou o seu primo Carlos Bonel para assessor. Maia que, diga-se, é casado com a enteada de Moreira Franco, o número dois do governo, e filho de um ex-prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, por sua vez primo do líder do partido de ambos, José Agripino Maia.

Dos 22 senadores do PMDB, maior partido brasileiro, 19 têm pais, irmãos, tios ou primos na política. Dez das 27 unidades federais são representadas no Senado apenas por membros de famílias políticas. O senador Cássio Cunha Lima, da Paraíba, filho do ex-senador Ronaldo Cunha Lima e pai do deputado federal Pedro Cunha Lima, é apenas um exemplo.

Honrosa exceção, a senadora Fátima Bezerra, do Rio Grande do Norte, só confirma a regra enraizada na política brasileira desde a introdução das capitanias hereditárias lá pelo século XVI: "Sou a primeira representante de origem popular do Rio Grande do Norte no Senado nos últimos 50 anos, isso evidencia o quanto o tradicionalismo e o patrimonialismo estão presentes na política, a maioria dessas famílias têm o controlo dos meios de comunicação e do dinheiro nos estados, não é razoável que o parentesco seja traço marcante na nossa política."

Aquela pequenina e irrelevante notícia que saiu no Estado de Minas de há um ano é sintomática porque Boninho, o filho de Toninho Andrada que ocupou cargo e verba no tribunal após a saída do pai, está a ser preparado pelo avô, pai de Toninho, para ser deputado federal na próxima legislatura. E esse avô, Bonifácio de Andrada, que já está no seu décimo mandato em Brasília, pertence à quinta geração de um clã incrustado há 196 anos no parlamento, desde que Antônio Carlos Ribeiro de Andrada foi nomeado deputado na Assembleia Constituinte de 1821, nas cortes de Lisboa.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt