A grande crise acabou e a Europa volta a divergir

"O santo graal da expansão global robusta e sincronizada é elusivo", disse o FMI. Em 2020, Alemanha crescerá 1,3%, zona euro 1,6%. Economia global chega a 4%
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O mundo mudou, mas se calhar não mudou assim tanto. Depois da maior crise económica e financeira desde o pós-guerra, a Europa parece ter caído de novo numa armadilha de baixo crescimento, de inflação zero, de desemprego ultrarresistente, que tarda em descer.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) demonstrou recentemente que há um problema. A zona euro está de novo a divergir em termos globais. A economia global, mesmo travada pelo crash do petróleo que tem dificultado a vida aos países emergentes (os que mais estavam a crescer até aqui), vai ganhar força. A união monetária acompanha, mas fica cada vez mais para trás.

"Seis anos depois de a economia mundial ter emergido da sua recessão mais ampla e profunda desde o pós-guerra, o santo graal da expansão global robusta e sincronizada continua a ser elusivo." Foi a primeira observação feita por Maurice Obstfeld, o novo economista chefe do FMI (substituto de Olivier Blanchard), na apresentação do World Economic Outlook do outono.

De facto, segundo essas previsões, a zona euro não crescerá mais do que 1,5% este ano, e 1,6% no próximo, chegando a 2020 sem acelerar o crescimento. A economia mundial, que em 2015 deve conseguir avançar 3,1%, reforça para 3,6% no ano que vem e pode alcançar a marca de 4% em 2020.

Na altura, Obstfeld disse que o problema com as matérias-primas representa hoje "uma parte grande da história", mas não explica tudo. "Instabilidade política" e "dívida em excesso" são outros travões mencionados. No caso da dívida, a Europa pode ter de se preocupar. Mesmo com essas complicações, o FMI acredita que os emergentes tornarão a descolar. Já as regiões ditas desenvolvidas, não. Os Estados Unidos estão no rol. Podem desacelerar de 2,8% em 2016 para apenas 2% em 2020.

No caso da zona euro - que devia aparecer como uma união coesa por ser económica e monetária; por isso mais próspera, com o euro a ser referido como "um sucesso" à escala global - os sinais de divergência interna acumulam-se. É hoje consensual que a união está incompleta e que isso prejudica o potencial de crescimento: falta a integração bancária e orçamental, com todos os obstáculos que isso ainda acarreta. Mas também falta vontade política a sério para haver mais partilha de soberania, concordam vários observadores.

Assim, os excedentes dos países do norte continuam a ser feitos à custa de défices externos dos países do sul. O norte exporta e fatura nos mercados garantidos do sul, sem risco cambial. Mas esse mesmo Norte, mais desenvolvido, onde se enquadra a Alemanha, por exemplo, continua a ser o credor que financia as economias "gastadoras" do Sul.

No entanto, estas, atoladas em dívida, não conseguem crescer, parecendo condenadas a uma estratégia de consolidação orçamental de décadas que trava as suas retomas. Muitos defendem que a resposta passa por mais reformas estruturais, que libertem os melhores recursos desses países, que os tornem mais competitivos. Mas há quem não concorde e reclame mais solidariedade para romper de vez com o que parece ser um ciclo vicioso.

Se o sul não está bem, o norte acabará por sentir esses efeitos negativos. Foi assim durante parte da última grande crise económica, já depois da fase mais aguda de agonia financeira.

Para José Reis, professor catedrático da Universidade de Coimbra, "o modelo da construção europeia, do qual hoje o tratado orçamental é o pilar mais forte, gerou benefícios". Os benefícios dos credores mais do que superaram as perdas dos devedores. Mas "parece-me que este modelo está a esgotar-se, e isso explica as dificuldades que as economias mais fortes estão a ter em reinventar a sua próxima onda de crescimento".

O economista recorda que "se olharmos para os últimos anos da Europa, da década de 90 para cá, a grande novidade foi a formação de uma clivagem cada vez mais profunda entre excedentários e deficitários, entre credores e devedores".

Federico Salazar, o analista da Fitch que segue Portugal, e o seu colega da Standard & Poor"s, Marko Mrsnik, consideram que os países menos desenvolvidos têm mais trabalho de casa para fazer.

Por exemplo, o ambiente de taxas de juro extremamente baixas "não irá, só por si, restaurar um crescimento sustentado da economia e do emprego a não ser que seja acompanhado por reformas nacionais que permitam ultrapassar os obstáculos a esse crescimento", insiste Mrsnik.

É o que diz o presidente do BCE, Mario Draghi. "Para colher todos os benefícios das medidas de política monetária, é forçoso o contributo de outras áreas de política. Dada a persistência do elevado desemprego estrutural e do baixo crescimento do produto potencial na área do euro, a retoma cíclica em curso deve ser apoiada por políticas estruturais eficazes." Empresas/investidores devem ser apoiados por "uma infraestrutura pública adequada" e os governos devem fazer a "aplicação integral e coerente do Pacto de Estabilidade e Crescimento."

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