A globalização da cultura
Quando alguém, com alguma leviandade, ajuíza que a cultura se está a globalizar, não percebe que as atuais diferenças entre os Estados, as regiões, até ao núcleo mais recôndito da mais pequena comunidade, são a sua identidade. A sua cultura!
Não pode, em circunstância alguma, afirmação deste teor ser proferida com conhecimento cabal da causa.
Afirmação desta natureza só pode ser oriunda de quem tem da cultura a moda ou demais superficialismos contemporâneos. Quiçá, juízo redondo de algo em que as arestas são tantas que juntá-las exige exercício racional da mente. Que é coisa que não está ao alcance de qualquer um. Porventura deste humilde escriba, que se limita a constatar o óbvio. Mas também, se não houver quem constate o óbvio, o risco é do óbvio passar despercebido.
A cultura, como tudo na vida, tem um princípio. Uma matriz que identifica uma comunidade: os seus hábitos, usos e costumes, a sua História coletiva, as suas formas de aprendizagem e de expressão artística que têm afinidades na identificação que lhe são próprias, sobre que influem condicionantes diversas e díspares mas de que o "fio condutor " não dispersa nunca a sinergia interativa transitada por gerações com efeito ajustado ao tempo. Uma História comum onde se agregam as especificidades e os valores da família, dos indivíduos e da comunidade em geral. A que acrescem, e se incluem, os fatores naturais de influência sobre os comportamentos sociais e a sua postura, de onde se destacam as condições climatéricas da região onde vive essa comunidade. Assim como todo o seu histórico político e social de organização, seja ela qual for, de acordo com o património cultural transitado, onde as artes, os ofícios e as crenças assumem relevância acrescida. Passada, presente e futura.
Por estes e outros motivos, falar de cultura não é propriamente falar de legumes ou da alteração genética de espécies para que sejam mais produtivas e/ou resistentes, no âmbito do interesse global. Porque o interesse global, sendo uma forma de expressão cultural, sabe que tem de respeitar as culturas específicas. Sem isso, a sua temporalidade é limitada e o seu progresso nulo.
Temos assim um valor finito de referências locais a defender, sendo que, para o efeito, não dispõe o município da articulação necessária entre o responsável pelo pelouro, os agentes e os equipamentos.
As já célebres "capelinhas" do interesse protagonizado, uma característica da cultura local que ninguém no perfeito domínio das suas faculdades mentais pode afirmar desconhecer, são "feudos" identificados. A tutela faz de conta e deixa andar ao sabor dos acontecimentos na expectativa de que estes por si só impulsionem o charme da cultura. Porque essa, a cultura, mantém-se incólume nas raízes e origens da cidadania que são as pessoas que dão corpo ao conceito de povo!
É neste contexto que acontece o centenário da sala de espetáculos Teatro Circo. Uma sala equidistante da cultura popular e sempre mais próxima de uma elite dominante que confunde cultura com vaidade comezinha.
Uma sala que raramente deu primazia ao acontecimento cultural local. Em todos os domínios. Como se a cultura local fosse um parente com lepra, da abrangência da cultura nacional.
E assim acontecerá ao longo do ano, nas diversas cerimónias comemorativas, do seu centenário.
Talvez um dia o Teatro Circo seja o espelho desta cultura minhota que nos cativa e seduz. Que nos identifica e dá corpo. Que nos mostra como somos. Minhotos!
Talvez um dia o Teatro Circo dignifique a pompa que ostenta, colocado por alguém ao serviço da cultura local sem qualquer espécie de preconceito elitista ou de vaidade saloia. Porque essa sim, é a antítese da cultura!