A fulgurância com dedos de veludo
Ele é talvez o mais original entre os atuais grandes pianistas russos. Talvez por ser o mais inesperado. Temos de há muito a opinião de que não há nenhum compositor, dos que ele explorou até agora, que Arcadi Volodos não toque muito bem. O que, sem qualquer sentido pejorativo (e atenção que estamos a falar de um nível altíssimo!) é um caso raro na atual paisagem pianística russa. Talvez por aí ele lembre, de certa forma, Sviatoslav Richter. E apesar do próprio Arcadi se declarar mais "filiado" em Vladimir Horowitz, quiçá a conexão Richter é até mais válida.
Até por outro pormenor, relacionado com as primícias de Volodos: o começo tardio (aos 15 anos) de estudos formais, "sérios" de Arcadi, e a respetiva conclusão num prazo comparativamente breve. Um pouco como Richter, praticamente um autodidata até aos 22 anos.
Sinal do nível que ele tinha, com ou sem estudos formais, é o facto de, pouco após deixar de ser "aluno", Arcadi ter tido logo um recital a solo no Wigmore Hall londrino, uma das Mecas para qualquer pianista! E "alguém" viu o que ali estava, pois logo no ano seguinte, Arcadi assinou pela Sony Classical, editora à qual se mantém vinculado.
Este domingo, às 18.00, na Sala Suggia da Casa da Música, Arcadi percorre o Romantismo alemão, tocando uma obra dos alvores: a Sonata em sib M, D960, de Schubert; outra do seu período médio: a transcrição para piano solo, realizada por Clara Schumann, do segundo andamento (Andante ma moderato) do primeiro Sexteto de cordas, op. 18, de Johannes Brahms, que tomou o nome de Tema e Variações em ré m, segundo a forma e tonalidade do dito andamento; e por fim, uma obra do crepúsculo do Romantismo: as seis Klavierstücke, op. 118, do mesmo Brahms, uma das últimas, também, que Brahms deixou.
Há uma dúzia de anos, Volodos surpreendeu muitos com um disco de sonatas de Schubert - e não as previsíveis, mas antes uma de juventude e a mais difícil de "captar" das de maturidade: a Sonata em sol M, D894. E surpreendeu decerto ainda mais gente ao oferecer interpretações tão corretas, maduras, refletidas, profundas. E tão (misteriosamente) "schubertianas"! Foi, aí, a primeira afirmação de Arcadi enquanto poeta do piano, a demonstração de uma atitude eminentemente lírica perante a interpretação e perscrutadora-reveladora perante a sonoridade adequada - de resto, Arcadi tem, na forma como trata o plano técnico da execução, uma atitude misto de abandono, misto de discreta coreografia que faz lembrar um Nelson Freire...
É assim que o conhecemos ainda hoje, e as três obras que no domingo toca no Porto oferecem amplas oportunidades para que, na escuta, o vivenciemos.
Em maio do próximo ano, Arcadi regressa a Portugal, dessa vez a Lisboa, para tocar com a Orquestra Gulbenkian o Concerto n.º 3 de Beethoven.