A fuga aos ziguezagues da extinção

Na última década, um terço da população de coelho-bravo foi dizimada por epidemias, deixando à beira da extinção predadores como o lince e a águia-imperial. E o coelho ainda não está livre de perigo.
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Dissimulado por entre a erva alta, bem camuflado na sua pelagem castanho-acinzentada, um coelho- -bravo pasta calmamente, mas sempre atento aos predadores. Um simples ruído e, zás, foge rapidamente, numa corrida curta, em ziguezagues estonteantes. Uma velocidade que não lhe valeu de nada, quando um surto de doenças quase o deixou à beira da extinção.

Outrora abundante em Portugal e em toda a Europa, o coelho-bravo tem sido dizimado por doenças e caçado até à exaustão. Uma situação agravada com o abandono das terras agrícolas, que provocou uma constante perda do seu habitat. Só na última década, 30% da população desapareceu, arrastando consigo para o bordo da extinção espécies bem mais raras, como o lince e a águia-imperial.

"O declínio das populações de coelhos atinge de forma dramática os animais que dele se alimentam, sobretudo em zonas onde também não existem outras alternativas", explica António Pedro Santos, professor da Universidade de Évora.

Dá um exemplo. O lince-ibérico, que está classificado como em 'Criticamente em Perigo', sofreu uma enorme regressão na Península Ibérica devido ao facto das populações do coelho-bravo, a sua principal fonte de alimento, terem quase desaparecido nas últimas décadas.

Os planos de conservação do lince e sua reintrodução em Portugal, implicam por isso uma recuperação dos habitats do coelho-bravo, "com vista a recuperar também as populações nas zonas de ocorrência desses predadores".

A proibição da caça em largas épocas do ano e a criação de reservas protegidas, o combate a algumas das doenças mais comuns e o repovoamento com animais importados de outros países permitiu às populações de coelhos recuperarem parte da sua vitalidade. A elevada taxa de natalidade joga também a seu favor - o coelho reproduz-se quase todo o ano e, com um período de gestação de apenas 28/33 dias, cada fêmea produz três a sete ninhadas por ano, compostas por duas a sete crias... que ao fim de três meses e meio já estão aptas a reproduzir

Mas ainda que "Não ameaçado" no Livro Vermelho dos Vertebrados, o coelho-bravo não está livre de perigos. Por exemplo, não existe cura para nenhum das doenças que nas décadas de 60 e de 90 o levaram quase à extinção - a mixomatose e a doença hemorrágica viral (DHV). Por outro lado, o abandono dos solos, que resulta numa degradação dos habitats, a produção florestal em grande escala representam também ameaças declaradas à espécie.

A mixomatose, que foi introduzida em França nos anos 50, expandiu-se rapidamente para outros países europeus, com surtos que chegam normalmente nos meses de Verão (mas podem ir até ao Outono). O vírus é transmitido por contacto directo com outros animais doentes ou através de insectos vectores, como carraças, moscas ou mosquitos. "Felizmente, alguns coelhos já começaram a desenvolver algumas imunidades contra a mixomatose, uma resistência genética que reduziu a sua mortalidade", adianta António Pedro Santos.

A doença hemorrágica viral continua a matar algumas populações da espécie, especialmente nos finais de Outono, início do Inverno. Foi detectada pela primeira vez na China no princípio dos anos 80 e chegou à Europa em finais da década. É transmitida através de coelhos infectados, ou por contacto indirecto com insectos, aves e até mamíferos. "No panorama nacional, a morte por DHV é superior à morte por mixomatose", constata. "É uma doença que mata em dois dias, ao contrário da mixomatose, onde alguns animais sobrevivem e outros, antes de morrer, vão definhando ao longo de uma ou duas semanas, perdendo as capacidades físicas de fuga, os reflexos", explica o professor de ecologia de Évora.

A esperança está em algumas vacinas, com elevada eficácia comprovada. "Contudo, torna-se impraticável e quase anti-económico capturar todos os coelhos de uma zona e vaciná-los periodicamente". Outro dos campos de actuação a nível preventivo prende-se com as zonas de repovoamento, para onde os coelhos devem ir já desparasitados e vacinados.

Há algumas medidas que, na opinião do professor António Pedro Santos, são um pouco discutíveis. "Há quem defenda que desinfectar as tocas com insecticida pode dar resultado. As experiências em França parecem ter tido algum êxito. Mas em Portugal ainda está em discussão a sua eficácia ". Bom mesmo é não abrir coelhos no campo, para não contaminar os solos com vísceras de animais que morreram doentes.; não dar a sua carne de alimento a outros animais e dentro do possível remover os coelhos doentes dos terrenos.

Apesar da sua ampla distribuição em Portugal e da rápida recuperação das populações dizimadas pela doença, a verdade é que hoje ninguém sabe ao certo quanto coelhos-bravos existem "A sua abundância varia de região para região e de ano para ano, não se sabendo ao certo o número de indivíduos. Podem ser alvo de um grande surto de doenças e quase desaparecer e ter de seguida um rápido crescimento. É uma espécie capaz de ter grande dinâmica evolutiva quando tem condições favoráveis", explica António Pedro Santos.

É urgente, por isso, tomar medidas para gerir de forma racional as populações de coelhos. É que, sem este pequeno herbívoro, de orelhas compridas e bigodes sempre em movimento, muitos outros animais - incluindo espécies emblemáticas, como a raposa, o lince e a águia-imperial-ibérica - correm o risco de também desaparecer.

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