A FRONTEIRA TÉNUE ENTRE 'PLÁGIO' E 'INSPIRAÇÃO'

Publicado a
Atualizado a

O admirável mundo novo da Internet representou, entre muitas outras coisas, uma nova e fascinante ferramenta de trabalho para os jornalistas. À distância de alguns toques num teclado, acede-se a um manancial de informação diversificada e valiosa - desde que não se dispensem os devidos filtros de credibilidade das fontes.

É hoje prática corrente, na generalidade dos meios de comunicação, a peregrinação regular pela Net, em busca de actualidade que passe à margem das grandes agências e que possa fazer a diferença face à concorrência. Lá se encontram, também, qualificados arquivos e enciclopédias, que permitem aprofundar, enquadrar e desenvolver dados de notícias sobre as quais o jornalista dispõe, muitas vezes, de elementos insuficientes.

A consulta das edições electrónicas de jornais e revistas de outros países é outra formidável fonte de inspiração. Pode, e deve, ser utilizada, desde que, obviamente, se respeitem depois as devidas regras de citação de fontes e que haja uma precaução mínima de adição de produção própria a elementos colhidos noutras publicações. Se assim não for, incorre-se numa prática irregular, que ensombra o seu autor e a publicação que acolhe esse "trabalho".

Ora, o que aconteceu na edição do DN de 13 de Maio, na página de Ciência, parece ser um caso lamentável de cópia ou plágio, que não pode deixar de merecer uma condenação severa por parte do provedor.

Vamos aos factos. A leitora Sandra Ayres levantou a questão, pedindo uma explicação para o facto da peça com o título "Sedutores não são todos iguais e escondem tácticas" (página 33 da edição de 13 de Maio) "dar a sensação de plagiar, de forma pouco disfarçada", uma notícia do diário espanhol El Mundo, publicada a 9 de Maio, também na secção Ciência, sob o título "Secretos psicológicos del arte de la seducción". O pretexto para a notícia foi a publicação de um livro da psicóloga Alexandra Vellejo-Nájera sobre "a arte da sedução".

As suspeitas da leitora apontavam para um episódio de gravidade evidente e, por isso, o provedor, antes de escrever estas linhas, foi particularmente cuidadoso no trabalho de comparação dos textos e solicitação de esclarecimentos. O jornalista Renato Santos, responsável pela página de ciência da edição em causa, transmitiu ao provedor as explicações que colheu junto do autor da peça, Márcio Alves Candoso: "O nosso jornalista teve como ponto de partida o artigo do El Mundo, mas foi aprofundar a matéria no livro de Alejandra Valleo-Nájera, bem como a vários sites, conforme a leitora também pode pesquisar na Internet."

O provedor lamenta, mas a tentativa de explicação não colhe. Infelizmente para o DN, não há dúvida de que a leitora tem razão. As diferenças entre os dois textos são de pormenor: o lead do El Mundo cita a definição de sedução do Dicionário da Real Academia; o do DN recorre ao Cândido de Figueiredo; a partir daí, o DN faz uma mal disfarçada tradução de excertos do artigo do jornal espanhol e não acrescenta rigorosamente nenhum elemento noticioso que não esteja na notícia do jornal espanhol. Como se justifica que, no final do texto do DN, a seguir às iniciais do jornalista (MAC), se escreva "com agências"? Ilude-se, por duas vezes, os leitores, primeiro ao copiar sem citar a fonte e, depois, ao pretender que se utilizaram elementos de "agências" que não se encontram na notícia. A "cereja no bolo" é a foto escolhida para ilustrar a peça: um fotograma do filme E Tudo o Vento Levou, sendo que o do DN é ligeiramente (muito pouco...) diferente do seleccionado pelo jornal espanhol.

Não há escassez de recursos, pressão de horas de fecho ou qualquer outra limitação que justifique tal prática. Afinal, bastaria ter a precaução da citação da fonte e, naturalmente, um outro trabalho de adaptação.

Enfim, um episódio triste (felizmente raro) na história do DN. |

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt