A fraqueza ocidental

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"Pelo amor de Deus, este homem não pode permanecer no poder." Quando o Presidente Joe Biden disse sobre Putin, um mês depois da invasão da Ucrânia pela Rússia ter começado, e quando já se conheciam suficientemente os horrores levados a cabo pelos militares russos, levantou-se um coro de indignados. Desejar que Putin caísse seria errado, indizível ou desadequado. Só não se percebeu porquê. Aparentemente poderia enfurecer Putin levando-o a fazer ... o que tem feito.

O espanto e incómodo com a declaração de Biden foi tal que houve quem garantisse que só podia ser gaffe. Há, porém, um problema com essa teoria: a 1 de março, no discurso sobre o Estado da União, depois de referir a Ucrânia e o contributo americano para a segurança europeia, incluindo tropas nos países da NATO, Biden terminou com um imprevisto "Go get him!" (apanhem-no!). A quem? Como? É óbvio que Biden estava a falar de Putin. Quem o iria apanhar, não se sabe. Mas, juntando uma e outra frase, parece notório que Biden deseja que Putin caia com a derrota da Rússia na Ucrânia. Pode não ser provável ou fácil, e não há garantia que seja para melhor, mas não há como achar absolutamente indesejável.

A semana passada, Luís Gouveia Fernandes escrevia n" Observador que "a União Soviética caiu, desfez-se, perdeu a Guerra Fria e a comunidade internacional pouco ou nada fez para que a Rússia pudesse considerar fazer a sua própria reforma, a partir dos erros do passado. Não definindo o mal, nem o chamando pelo seu nome significa, afinal, que, apesar do colapso, o grande equívoco do século XX continua à solta". Mais. "Não existiu nenhuma orientação no sentido do reconhecimento, pela nova Rússia, das atrocidades cometidas (...). Se essa culpa não foi assumida e enquanto não for, nada obsta a que continue a vingar publicamente na Rússia, como continua, o culto da antiga União Soviética". Luís Gouveia Fernandes tem toda a razão. Ao contrário dos que repetem a tese de Putin de que a origem deste mal está no alargamento da União Europeia e na "expansão da NATO".

O fim da Guerra Fria, provocado pelo ocidente, foi precipitado pela própria União Soviética de Gorbatchev e gerido pela Rússia de Ielstin e depois de Putin. E é aí, e não no desejo dos povos da Europa de Leste em aderir às instituições ocidentais, que está a problema. Primeiro, a Rússia, com a anuência do ocidente, não fez suficiente mea culpa dos horrores do comunismo e do imperialismo soviético. Nem grandes reformas. Depois, o ocidente assistiu à reversão dos curtos passos democráticos de Moscovo sem qualquer objeção de fundo ou reação. Por medo ou concupiscência, foi esse o erro ocidental. (E com a China não estamos a ser mais exigentes.)

Não é possível saber que resultados teria uma transformação do regime russo. Nem parece provável. Mas desejá-lo e sinalizar apoio a quem eventualmente o promova não é intrinsecamente errado. Pelo contrário.

O mau nome das intervenções de "regime change" têm limitado o ocidente nas suas relações com regimes antagónicos. Certo, não é boa estratégia mudar a partir de fora regimes, mas não há nenhuma razão para não ajudar quem o queira fazer por dentro.

Quem tenha visto as cenas de horror e crime à retirada das tropas russas da região em torno de Kiev dificilmente discorda de Biden. "Pelo amor de Deus, este homem não pode permanecer no poder." Pelo menos não com a cumplicidade ocidental e europeia.

PS: No dia das eleições legislativas húngaras, ontem, Volodymyr Zelensky disse e desejou o que muitos dirigentes políticos europeus já deviam ter dito sobre Viktor Órban. E contribuído para que acontecesse. Se não podem falar enquanto colegas do Conselho Europeu, falem enquanto líderes partidários.


Consultor em assuntos europeus

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