A França é inferior ao que diz Löw
Parece que passou um século desde o início do Campeonato da Europa, repleto de equipas em benefício da ganância da UEFA. Para trás ficam as frustrações de Inglaterra e Espanha, a resistência admirável da Islândia, a liderança de Gareth Bale no árido País de Gales, a mecânica sem talento de Itália, os erros imprevistos de uma assombrosa Alemanha e o percurso agitado de Portugal e França até à final. É o que importa agora, um jogo à altura de um grande cenário, o Stade de France, ainda sob a influência da recordação dos atentados de Paris em novembro de 2015. Seria magnífico que as duas equipas honrassem a noite e o lugar com um grande futebol.
Esqueçam os prognósticos, os dos jornalistas e o de Joachim Löw, que declarou ser a França favorita, praticamente sem qualquer consideração por Portugal. Não há razão nenhuma para tanta unanimidade na Europa. Dizem que Portugal não jogou especialmente bem. O mesmo se pode dizer de França, que chegou pausadamente até às meias-finais. Alcançou as meias-finais sem brilhantismo, depois de um percurso humilde: Roménia, Albânia, República da Irlanda, Suíça e Islândia. Frente à Alemanha assumiu-se como uma equipa pequena. Fechou-se no seu meio-campo, procurou algum contra-ataque, aproveitou dois erros infantis dos alemães e esteve dependente das habilidades de Griezmann. A França não impressionou ninguém.
Griezmann faz parte de uma velha tradição francesa, a do jogador brilhante que parece abençoado nos grandes torneios. Aconteceu com Platini, autor de nove golos no Euro de 1984, também realizado em França, e com Zidane no Mundial de 1998 e no Euro 2000. Foram dois génios do futebol numa equipa que transformou radicalmente o seu estilo. Quase nada resta do futebol champanhe representado pelos ágeis e astutos Tigana, Giresse e Platini há 30 anos. Esta seleção faz lembrar muito mais a liderada por Zidane, o jogador bandeira de uma equipa que se impunha pelo seu físico.
Zidane e Henry resolviam os problemas de criatividade daquela França hermética que transpirou sangue para se impor a Portugal na meia-final que se jogou em Bruxelas. Aproveitou um dos penáltis mais controversos da história, o de Abel Xavier junto ao poste, para chegar à final. Era uma França superior à atual, que também se destaca pela sua pujança atlética, mas tem menos talento. Não dispõe de laterais agressivos, os seus centrais não entusiasmam e os seus médios impressionam quando correm, não quando pensam. A Pogba, Matuidi e Sissoko convêm-lhes os grandes espaços, uma vantagem que Portugal não lhes deverá conceder. Griezmann é o mais subtil e astuto dos jogadores da seleção, decididamente o menos francês, aquele que marcou a diferença.
Em muitos aspetos, Griezmann é mais um produto da escola espanhola do que da francesa. Rejeitado no seu país por ser frágil, incorporou-se nas camadas juvenis da Real Sociedad com 13 anos. Ninguém se preocupou com a sua altura ou o seu peso. Tinha talento. Estreou-se na Real Sociedad com 17 anos. Desde então, o seu impacto na Liga tem sido extraordinário. Agora faz no Atlético de Madrid o que o caracteriza em França: resolver com inteligência e golos os problemas ofensivos de uma equipa com um futebol de poucos voos.
Em termos de potência e energia, Portugal não está muito longe de França. O regresso de Pepe acrescenta a sabedoria defensiva necessária nas grandes finais. Pepe já jogou muitas e sempre bem. O Stade de France representa uma hipotética vantagem francesa, mas há algo na jovem geração de jogadores portugueses que convida a pensar na rebeldia e no atrevimento. Com as suas caras de meninos, Raphaël, Renato e João Mário jogam como adultos. A pressão não está do seu lado. Portugal não terá de dar explicações a ninguém se tomar as suas precauções e conceder a direção da partida a França, que não é a equipa mais criativa do mundo com a bola.
Esta versão 2.0 de França merece menos crédito do que se diz. Portugal dispõe de uma boa oportunidade para desmentir Löw. Tem vigor, agilidade e um jogador capaz de marcar a diferença em qualquer estádio frente a qualquer rival. É Cristiano Ronaldo. Está muito perto de alcançar um dos seus grandes sonhos. O Stade de France é o sítio perfeito para o cumprir.