A força do espanhol
Sob o título "La fuerza del español", o número de 27 de Novembro da Babelia, suplemento literário El País, é dedicado à projecção da língua espanhola no mundo. Em duas das suas páginas são apresentadas estatísticas grandiosas e cifras triunfais quanto ao alastramento e à importância da língua de nuestros hermanos à roda do planeta.
Em Espanha há quem acredite no indemonstrável, isto é, que a sua língua, enquanto activo imaterial, corresponde a uns 16% do PIB, considerando só a "componente" de língua em cada actividade económica. Quem o diz é José Luis Garcia Delgado, director da investigação "Valor económico del español". Lembro-me de que há pouco tempo, na esteira pressurosa destes cálculos, em Portugal se teria chegado aos 17% na congeminação embevecida de uns responsáveis pela Cultura, convictamente alinhados com essa mística imaterialidade à míngua de poderem alinhar com outras realidades mais palpáveis. Parece evidente que uma língua tem enorme relevância para os circuitos económicos em que é falada. Mas também parece evidente que não haverá maneira de quantificar consistentemente essa relevância, nem de delimitar para ela as fronteiras entre o que é nacional e o que é internacional. E até já vejo daqui o nosso fiável Governo a jactar-se de contribuir para o crescimento do PIB britânico e do norte-americano por mandar as criancinhas estudarem inglês no ensino básico...
Quanto à dinâmica da língua espanhola, segundo Carmen Caffarel, directora do Instituto Cervantes, "os estudos de prospecção concordam em que o inglês, o espanhol e o chinês serão as três línguas de comunicação internacional durante o século xxi". Mas dir-se-ia que os números avançados nas colunas da Babelia pecam por alguma descoincidência. Carmen Caffarel afirma que o espanhol é a segunda língua mais falada do mundo (400 milhões de pessoas), depois do mandarim e antes do inglês. Leila Guerriero fala da passagem de 400 para 450 milhões entre 2007 e 2010... O exagero parece manifesto e nada disto terá levado em conta a evolução da base demográfica de outras línguas no mesmo período.
Na enciclopédia Les Langues de l'Humanité (Paris, Robert Laffont, 1995) que tenho à mão, a escala é mais modesta: o espanhol (315 milhões de falantes) vem em quarto lugar, depois do mandarim, do inglês e do hindi-urdu. O português vem em sétimo lugar, falado por 180 milhões de pessoas, depois do russo e do malaio-indonésio. Já no tocante às línguas europeias, o espanhol ocupa efectivamente o segundo lugar entre as mais faladas no mundo, cabendo ao português o quarto lugar. É certo que há 15 anos de intervalo entre os números da Babelia e os da enciclopédia, mas o mais provável é as outras línguas terem crescido em idêntica proporção.
Quanto às políticas da língua projectadas para fora de Espanha, somos informados de que o Instituto Cervantes vai dispor de 103 milhões de euros em 2011, a que acrescerá uma intensa actividade dos ministérios da Educação e dos Estrangeiros, das universidades e de governos de países como o Brasil, as Filipinas, a França ou a Itália. Aborda-se ainda a fortíssima expansão do espanhol nos Estados Unidos e no Brasil ("se pensarmos no espanhol como língua estrangeira, há que olhar para o Brasil", onde, em cinco anos, com a entrada em vigor da "lei do espanhol", se passou de um a cinco milhões de estudantes).
Por seu turno, José António Pascual, vice-director da Real Academia Española, salienta que, para a ideia que os falantes de outras línguas fazem do espanhol, as campanhas de imagem servem de muito pouco e a força "de nuestra cultura" serve de muito. Os recentes casos Bolaño e Vargas Llosa vieram dar ainda mais força à produção cultural dos vários países do blocoibero-americano e à sua exportação.
Há vários outros elementos muito interessantes (de ordem dicionarística, escolar, informática, editorial, sociológica...) que permitem concluir que os espanhóis não brincam em serviço. Têm uma estratégia para a sua língua. A sua política a tal respeito calcula e integra uma série de sinergias em Espanha e fora de Espanha. Afinam e conjugam todos os meios úteis para alcançarem o melhor resultado possível. E vão consegui-lo porque sabem o que querem e o que fazem.