A filosofia também é uma resposta à seca de 2017
Antropoceno, diz o dicionário, é o período mais recente da história da Terra em que as atividades humanas começaram a ter um impacto global significativo no clima do planeta e no funcionamento dos seus ecossistemas. É, também, o tema que orienta todas as conversas do Fórum do Futuro, a partir de amanhã e até sábado, no Teatro Rivoli, na Casa da Música, Palácio do Bolhão, Coliseu do Porto e Museu de Serralves.
"Vamos questionar a era do antropoceno, a partir das várias perspetivas e também propomos uma reflexão crítica sobre a nossa visão da natureza", explica, em grandes pinceladas, Guilherme Blanc. Programador desta terceira conferência Fórum do Futuro e assessor para a cultura do presidente da câmara municipal do Porto, Rui Moreira, Guilherme Blanc fala com o DN num desses dias muito quentes do final de outubro que inevitavelmente surgem na conversa (e não são para falar do tempo). "É uma infeliz coincidência", nota. Os números nos termómetros vêm dar força à tese de partida de Terra Elétrica, o título deste terceiro Fórum do Futuro.
O clima é, precisamente, um dos temas abordados na conferência de abertura, com o sociólogo e historiador norte-americano Richard Sennett. Abre o Fórum do Futuro, amanhã, às 16.00, no Teatro Rivoli, a partir de um dos seus mais importantes ensaios, Habitat III, que, por sua vez, "é uma revisão da Carta de Atenas", explica Guilherme Blanc. Esse manifesto urbanístico inspirado pela visão do arquiteto francês Le Corbusier foi apresentado em 1933 e procurava uma "cidade funcional". Sennett põe em cima da mesa novos dados. A par do clima, big data e informalidade.
Guilherme Blanc é diplomático, não destaca convidados, mas entusiasma-se quando menciona a cientista Elisabeth Hadly e um dos seus trabalhos mais conhecidos, publicado originalmente na revista Nature. "Apocalíptico", classifica. A tese da professora de biologia é que "dentro de duas décadas entramos num período de extinção se estes padrões não se alterarem". "Foi subscrito pela comunidade científica americana em peso. É dramático em questões climatéricas, um alerta muito grande, muito focado no clima", avança o comissário do Fórum do Futuro. E admite: "Foi dos primeiros nomes que pensei". A conferência, Ponto de Viragem para o Planeta Terra, é moderada pelo investigador Manuel Sobrinho Simões (segunda-feira, às 21.30, no Rivoli).
Timothy Morton foi outro nome que "surgiu de imediato", conta Guilherme Blanc. Em Antropo/Seem:
Ecologia Negra, Utopia e Futuros Incertos (sexta-feira, às 21.30, grande auditório do Rivoli), o escritor e filósofo reflete com a audiência sobre o fim da utopia de que o Homem conseguiria controlar a natureza, em diálogo com o filme de Ben Rivers Urth (1972, Reino Unido).
No período do antropoceno, como o cunhou o holandês Paul Crutzen, prémio Nobel da Química de 1995, "é a partir da industrialização que o planeta se passa a definir pela ação do humana, em que há impacto no equilíbrio planetário", nota Guilherme Blanc. Com gente a favor e contra. "Há quem ache que desde que há agricultura que vivemos no antropoceno", refere. "Por isso quisemos trazer pessoas de distintas geografias planetárias."
Guilherme Blanc insiste na largura de banda do pensamento que se pode ver e ouvir até 11 de novembro. "No nosso esforço futurista para tratar do antropoceno, quisemos trazer perspetivas não-europeístas. E nesse sentido convidei o coletivo Pipi Colonial [formado pelas investigadoras e curadoras Ana Cristina Cachola, Daniela Agostinho e Joana Mayer] para fazer uma sessão com a brasileira Denise Ferreira da Silva e a suíça Ursula Biemann". É na quinta-feira, às 19.00, no Mosteiro de São Bento da Vitória e traz para o fórum o debate feminista e pós-colonial. "É uma das perspetivas mais relevantes", diz Guilherme Blanc. "E o que as feministas vêm dizer é que quase se pode falar de [uma era do] androceno". O convite ao coletivo Pipi Colonial estende-se à moderação do debate com a artista e escritora catari-americana Sophia Al-Maria (quinta-feira, dia 9, às 16.00, na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto). "Acabou por ser uma sessão ancorada em perspetivas feministas."Entre os convidados está o arquiteto japonês Sou Fujimoto, cujo trabalho procura fazer equivaler a cidade à floresta e a casa à árvore, como reflete o título da sua comunicação - Futuro Primitivo: Arquitetura entre o natural e o artificial. Fala na segunda-feira, dia 6, às 16.00, no Teatro Rivoli. O Fórum do Futuro, pensado pelo vereador Paulo Cunha e Silva, vereador da câmara do Porto com Rui Moreira até à sua morte em 2015, alcançou entre "7 e 9 mil pessoas", segundo Guilherme Blanc. "Espero conseguir estes números". Estrategicamente espalhado por vários locais da cidade nesta terceira edição, mantém-se como lugar de reflexão e pensamento, a pensar num "público mais permeável à arte contemporânea", mas "também é um festival transversal, que interessa a quem gosta de divulgação científica". Conhecido por esse seu trabalho de popularização da divulgação científica, Steve Pinker, canadiano, linguista e psicólogo, foi escolhido para encerrar o Fórum no sábado, às 21.30. A entrada, nesta e nas outras conversas, é livre.