À medida que o processo diplomático começa a apontar de forma inequívoca para a realização de um referendo que permita a autodeterminação dos timorenses, um ciclo de violência de tipo novo inicia-se no território. À repressão das forças de segurança e aos confrontos entre a guerrilha e os militares indonésios vai suceder-se a intimidação da população pelas milícias organizadas e equipadas pelo exército de Jacarta..A partir dos primeiros meses de 1999 sucedem-se os casos de intimidação, raptos e assassínios, que são documentados e denunciados pelas organizações de direitos humanos. Um dos casos mais graves sucede no início de abril, na localidade de Liquiçá, em que são mortas e raptadas um total de 76 pessoas..Após ser conhecido o resultado das negociações Portugal-Indonésia em Nova Iorque, em que fica estabelecida a realização do referendo sobre a autodeterminação, que vão multiplicar-se os atos de intimidação. Por exemplo, tentativas de impedir o recenseamento em certos pontos do território, a liquidação física de independentistas conhecidos ou ameaças diretas, inclusive a elementos da Igreja..Ataques noturnos.Localidades conhecidas pelo seu alinhamento com as posições independentistas são alvo de atos de vandalismo e ataques durante a noite..No entanto, não serão suficientes para alterar a determinação dos timorenses, que vão pagar pela expressiva vitória do sim à independência - 78,5% - nos dias e semanas seguintes à votação de 30 de agosto..Não haveria transição pacífica. Horas após a conclusão do voto, as milícias desencadeiam ataques em quase todas as principais localidades de Timor-Leste. Muitos dos atacantes são indonésios trazidos da parte ocidental da ilha, sob administração indonésia..As milícias tinham prometido que iria correr sangue e entre 30 de agosto e finais de setembro é isso que irá suceder em Timor-Leste, que assiste, por outro lado, à destruição generalizada de infraestruturas, habitações, edifícios públicos e de muitas igrejas..Deslocações forçadas da população.Timorenses que colaboraram com as Nações Unidas são mortos e o exército indonésio leva a cabo a transferência de populações, em muitos casos sob a coação das armas, para Timor ocidental..Elementos das diferentes milícias, em que se vai destacar a Aitarak, dirigida por Eurico Guterres, percorrem as ruas, montam postos de controlo no acesso às localidades, capturam e matam centenas de pessoas..O seu sinal distintivo são T-shirts de cor preta e a arma de eleição, uma espécie de catana. Mas são também visíveis armas de fogo e equipamento especificamente militar..A eficácia da sua ação resulta de muitos deles, quer sejam timorenses quer naturais da Indonésia, terem integrado ou integrarem ainda as forças de polícia. Outro aspecto que justifica a absoluta impunidade com que atuaram após a votação resulta de não existir no território nenhuma força armada das Nações Unidas. O exército indonésio foi a única força profissional no terreno. E os timorenses pagaram um elevado preço por isso..A festa da independência teve de esperar por melhores dias. O ciclo de violência iniciado em dezembro de 1975 pela invasão indonésia só estaria totalmente encerrado 24 anos mais tarde.. * Jornalista da Plataforma Media - Lisboa