Se por qualquer milagre Enzo Ferrari ainda fosse vivo, que presente poderia oferecer a Battista «Pinin» Farina? A primeira resposta que passa pela cabeça é... um Ferrari. Não «um Ferrari» em sentido literal - disso não faltaria na garagem do velho desenhador. Quero dizer, um modelo da Ferrari com o nome dele. Foi, talvez, por pensarem o mesmo que os sucessores de Enzo ofereceram o SA Aperta aos descendentes de Battista no aniversário da Pininfarina..O desportivo que será desembrulhado este fim-de-semana no Salão de Paris carrega no nome essa homenagem. Aperta quer dizer «aberto» e aponta apenas para um descapotável. Mas SA são as iniciais de Sérgio e Andrea Pininfarina. O filho e o neto de Battista passaram pela liderança da marca de Turim e assinaram quase todos os grandes Ferrari construídos desde os anos 1960..Os engenheiros da marca do cavalo rampante puseram todo o brio no roadster. O SA Aperta, um rasteirinho de dois lugares, é empurrado pelos 670 cavalos do motor do 599, nada mais nada menos do que o novo menino bonito da Ferrari. Como se isso não fosse prova de que é um presente especial, fizeram dele um dos modelos mais exclusivos de sempre. Da fábrica de Maranello saíram apenas oitenta carros. Um por cada ano de história da Pininfarina. .Pinin espaço FarinaA história da marca de design de automóveis mais reconhecida no mundo começa com a invulgar história do nome do seu fundador: Battista Pininfarina. Nascido Battista Farina, a 2 de Novembro de 1892, o mais novo de uma família de dez irmãos, em casa era conhecido como Pinin, que em dialecto piemontês, região do Norte de Itália, quer dizer «o mais novo»..Foi só em 1961, poucos anos antes de morrer, que Battista juntou a alcunha ao apelido formando Pininfarina. A alteração no registo civil teve uma autorização especial do ministro da Justiça italiano de então, que acedeu como reconhecimento pelos feitos alcançados pelo desenhador «nas suas actividades sociais e industriais»..Pinin começara a trabalhar com apenas 11 anos na fábrica de peças do seu irmão Giovanni Farina. Durante a Primeira Guerra Mundial ficou encarregado da produção de material para os aviões de combate. Nos loucos anos vinte viajou para os EUA. Conta-se que em Detroit, o coração da indústria automóvel, conheceu Henry Ford, que andava então empenhado na produção do Modelo T, o primeiro carro de massas. O americano, impressionado, convidou-o a ficar. Pininfarina recusou. Mas quando voltou a Itália trazia da América a febre pelos automóveis..A 22 de Maio de 1930, depois de abandonar a Stabilimenti Farina, a fábrica do irmão, Pinin abriu a sua própria empresa, a Carrozzeria Pinin Farina, em Turim. O italiano não queria uma marca de automóveis. O seu projecto era desenhar os carros para as marcas. Começou por apontar a pequenos clientes e individuais que procuravam veículos únicos, mas em poucos meses desenhou modelos para a FIAT, a Alfa Romeu e a Lancia..Os anos 1930 foram os da sua afirmação. Depois veio a Segunda Guerra Mundial e a capitulação do Eixo, que deixou em maus lençóis toda a indústria italiana. As marcas italianas foram mesmo excluídas do Salão de Paris, mas Pinin não se deixou quebrar. Naquele ano de 1946, com o seu filho Sérgio, conduziram até Paris um Alfa Romeo 6C 2500 S e um Lancia Aprilia cabriolet e estacionaram-nos à frente da exposição..Causaram tamanha impressão que um jornalista francês escreveu: «Ce diable de Farina a ouvert son anti-salon personnel.» («O diabo do Farina abriu o seu anti-salão pessoal.»).Em 1947 desenhou o Cisitalia 202, marcando o ponto mais alto da sua carreira. A «escultura em movimento», como foi chamado, tornou-se o primeiro automóvel em exposição num museu de arte moderna, no caso o MoMA de Nova Iorque, e foi considerado «um dos oito carros fantásticos do nosso tempo». .Traço dos FerrariNos anos cinquenta os seus carros apareciam nos filmes de Hollywood e começavam a ser cobiçados pelo mundo inteiro. Foi também nessa altura que começou a sua relação com a Ferrari. O primeiro modelo por ele desenhado com o símbolo do cavalo rampante foi um sério e austero 212 Inter. No final da década, Paris rendeu-se ao 250 GT, desportivo elegante, que ainda hoje é um paradigma da marca..O desenho dos Ferrari ficou nas mãos do filho Sérgio, que na década de sessenta acabaria mesmo por assumir a liderança da empresa. Foi com ele que a Pininfarina assinou os míticos Testarossa, F40 e Modena. A história repetiu-se quando, na viragem do milénio, o seu filho Andrea lhe tomou o lugar e desenvolveu a carroçaria do 575 Maranello..O consulado de Andrea virou uma página na empresa, mas foi curto e acabou em tragédia. O herdeiro da Pininfarina morreu em Turim num acidente de moto, em Agosto de 2008. Conduzia uma Vespa quando um carro o abalroou. A empresa tremeu, até que o seu irmão mais novo Paolo ficou na chefia..Desde então a Pininfarina não parou. A empresa expandiu-se no mercado - tem hoje 22 marcas no currículo - e está a apostar forte nos carros eléctricos Ao mesmo tempo ganhou o concurso para desenhar os interiores dos comboios do Eurotúnel. Nos oitenta anos da empresa, Paolo Pininfarina resumiu a evolução da marca: «Os anos passaram, os homens mudaram, mas os genes da Pininfarina são os mesmo dos anos trinta.»