A falácia liberal

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Em voz corrente, Portugal tem o governo mais liberal de sempre. Mas entre a realidade e ficção há sempre uma grande distância, e neste particular não podemos estar mais de acordo.

Vejamos porquê.

Com efeito, diz-se frequentemente que estamos perante um Governo, não apenas liberal, mas mesmo ultraliberal, seja lá o que isso for, uma vez que defende a austeridade, a redução do Estado social e, por fim, a privatização do sector empresarial público.

Ora, a verdade é que o atual Governo, apesar de alguma retórica aparentemente liberal, tem continuado a aumentar a despesa pública, tem aumentado a dívida pública e, pasme-se para um liberal, tem continuado a aumentar os impostos.

Já quanto à anunciada redução do sector empresarial público, quer através da extinção de empresas desnecessárias quer através da privatização das que, sendo necessárias ao País, podem ser geridas por privados, salvaguardado a regulação e a provisão de serviços de interesse geral, nem se fala.

Continuamos com empresas públicas agrícolas, equestres, turísticas e de lazer, para já não falar de imobiliárias ou de projetos de arquitetura, transportadoras, de gestão de parques, de águas ou de diamantes (lembram-se, por exemplo, da anunciada extinção da Parque Expo ou da Parque Escolar, afinal elas continuam de pedra e cal, apenas tendo mudado de administração).

Ou seja, perante este quadro, não se percebe onde está o dito governo liberal. Isto é, não temos nem menos Estado nem melhor Estado, como sempre se apregoou e continua a apregoar.

Enfim, para um verdadeiro liberal, que não confunda o liberalismo político, base de uma sociedade plural e democrática, assente numa economia de mercado, com liberalismo económico, enquanto uma, de entre muitas teorias, que visa sujeitar a sociedade à lógica do próprio mercado, este não é de todo um governo liberal.

Para um verdadeiro liberal o Estado deve ser sustentável, contido, mas forte, eficaz, promovendo o interesse geral. Deve defender a igualdade de oportunidades, ser supletivo para os que mais precisam, mas deixar ao mercado aquilo que aí pode ser feito com mais eficiência e eficácia.

E é aqui que reside o ponto.

Estando o Governo vinculado pelo memorando com a troika (pois, como vimos, tal não parece resultar da sua real opção liberal) a privatizar algumas das empresas do sector empresarial público, pena é que não tenha sempre recorrido ao concurso público, como o exige em primeira linha e fora de circunstâncias excecionais, a própria lei quadro das privatizações (aprovada nos anos noventa e revista posteriormente em 2003 e, já com o atual Executivo, em setembro de 2011).

No fundo, não sendo verdadeiramente liberal na sua atuação, o Governo acaba também por não garantir a necessária transparência e concorrência, condições essenciais de qualquer mercado aberto no seio da União Europeia.

Aliás, ainda em recente entrevista ao jornal i (14.09.13), António Nogueira Leite, ilustre economista liberal e não distante do atual poder político, afirmava, e passo a citar: "As operações de privatização foram feitas da forma menos liberal possível. O Governo fez basicamente vendas diretas."

Ora, anunciando-se mais uma privatização, neste caso a dos CTT - Correios de Portugal, está ainda o Governo a tempo de emendar a mão e optar desta vez, claramente, pelo concurso público, aberto aos concorrentes interessados e devidamente habilitados, sem depender assim quer dos interesses e humores da bolsa quer de eventual venda direta, sempre potencialmente lesiva do interesse público em causa.

Essa, sim, será uma opção verdadeiramente liberal, mas sobretudo e mais importante, conforme a um Estado de direito.

*)Jurista, doutorando na Universidade Católica Portuguesa

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